Liberdade para empreender e desenvolvimento econômico

24.05.2018

Prof. Dr. Adilson Caldeira e Prof. Dr. Alberto de Medeiros Jr.


A discussão sobre quais instituições levam à prosperidade humana está presente em diversas áreas de conhecimento. Na história do pensamento econômico, de Adam Smith a Hayek, Mises e Friedman, proeminentes pensadores sustentam que as instituições da economia de mercado, tais como direitos de propriedade bem definidos, limites de atuação do governo, tributação e livre comércio, criam as condições favoráveis ao progresso. Nesse contexto, os empreendedores atuam como agentes de mudança ou, como argumenta Schumpeter, da destruição criativa que fomenta a inovação. O empreendedorismo, favorecido pela liberdade econômica, tem o poder de impulsionar a prosperidade das economias de mercado.

Ludwig von Mises destaca o papel do empreendedor no desenvolvimento econômico, dado que o futuro não pode ser previsto com exatidão. Movido pela especulação sobre o futuro incerto, o empreendedor promove a inovação. A Escola Austríaca de Economia considera que além de lidar com a incerteza, o empreendedor gera e utiliza o conhecimento disperso, sendo que o crescimento econômico requer que se dê um passo adiante em direção ao desconhecido. Nesse sentido, Friedrich August von Hayek entende que o progresso econômico tem a concorrência empresarial como base de sustentação, uma vez que a competição provoca a busca por dispositivos de produção economicamente mais eficientes.

O empreendedorismo, enfim, pode ser visto como uma qualidade humana com potencialidade de proporcionar o aproveitamento de oportunidades para o desenvolvimento econômico de toda uma Nação. Dentre os países que apresentaram maior desenvolvimento econômico nas últimas décadas, a quantidade de abertura de novos negócios e a criação de valor proporcionada pela inovação em negócios já existentes resultam em benefícios à qualidade de vida da população.

As conexões entre liberdade econômica e prosperidade e entre empreendedorismo e desenvolvimento têm sido estabelecidas em estudos e pesquisas recentes. Por meio deles, pode-se igualmente estabelecer o elo entre liberdade e empreendedorismo, principiando pela própria relação semântica. Empreendedorismo é um termo que tem sua origem etimológica no latim: in prehendo, cujo significado mais próximo é perceber ou descobrir alguma coisa. Nesse sentido, o empreendedorismo decorre do alerta e desejo de aperfeiçoamento e de melhoria da vida de uma pessoa, que só floresce em um ambiente institucional adequado.

No contexto atual, empreender significa fazer acontecer. O empreendedorismo é uma característica comportamental, um conjunto de atitudes movido por uma cosmovisão pautada pela busca de fazer algo novo, com o objetivo de gerar riqueza e, por conseguinte, contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Desde a iniciativa de abrir um novo negócio até a de agir para que este se mantenha continuamente inovando, encontram-se exemplos dos benefícios da ação empreendedora ao desenvolvimento humano. Soluções oferecidas por empresas como Google, Amazon, Microsoft, Apple, Tesla, Facebook, Uber e muitas outras mudam radical e continuamente o modo de vida das pessoas. Essa mudança decorre de iniciativas de quem foi além do convencional.

O comportamento empreendedor no trabalho decorre de um processo que pode ser administrado. Quando esse comportamento está presente em uma organização, observam-se reflexos em sua tendência de inovar e se desenvolver continuamente. Uma renovação sistemática nos procedimentos que movem a organização instiga a inovação.

O comportamento das pessoas no trabalho resulta de suas iniciativas e das condições que lhes são oferecidas. A gestão dessas condições deve considerar respostas a questões como: O que motiva as pessoas a comparecerem ao trabalho? Elas ficam satisfeitas com seu trabalho e se orgulham de fazer o melhor possível? Elas percebem os benefícios do que produzem proporcionados para si e para outras pessoas? Ou eles veem seu trabalho como um fardo e trabalham exclusivamente pela remuneração?

O psicólogo social Douglas McGregor identificou que as crenças dos líderes sobre o que motiva seus comandados podem afetar o estilo adotado para o exercício da liderança, assume-se que quando as pessoas são vistas como quem está pouco motivado e não gosta de seu trabalho, é provável que se recorra a um estilo autoritário, com supervisão rigorosa sobre as tarefas para garantir que elas sejam feitas adequadamente. Caso, contudo, os liderados sejam vistos como quem se orgulha de seu trabalho e o vê como um desafio, um estilo participativo e liberal tende a ser adotado como exercício da confiança na disposição das pessoas para efetivamente produzirem por sua própria iniciativa o que delas se espera.

Nas organizações em que a liderança é predominantemente autoritária, o trabalho pode ser repetitivo e as pessoas movidas por uma abordagem de recompensa e punição, com vários níveis de gerentes e supervisores em sua estrutura para supervisionar e direcionar os trabalhadores. Quando prevalece uma opinião otimista e positiva sobre as pessoas, é mais comum recorrer-se a um processo de liderança descentralizado e participativo, com um relacionamento colaborativo e baseado em confiança entre os líderes e os membros de sua equipe, estimulados a desenvolver suas habilidades e sugerir melhorias.

Acredita-se, assim, que é possível obter um comportamento empreendedor e inovador em uma organização quando se promovem estímulos à iniciativa e se minimizam vínculos estruturais, encorajando a liberdade de ação como condição para a inovação. Em contraposição, pode se constituir em barreira ao comportamento empreendedor o excesso de burocratização, refletida em estruturas organizacionais excessivamente rígidas em termos de hierarquia, autonomia, responsabilidade e controle.

Além desse fator, estudos dedicados a compreender os agentes condutores do comportamento empreendedor nas organizações indicam a importância de elementos como a tolerância ao erro, o comprometimento com metas, a qualidade da comunicação e o compartilhamento de valores.

Reconhece-se como favorável ao empreendedorismo a concessão do tempo necessário para o desenvolvimento de novos modelos mentais e a aprendizagem, com tolerância a riscos, erros e falhas. De outro lado, a adoção de sistemas punitivos rigorosos, intolerantes ao erro e o imediatismo na cobrança dos resultados de iniciativas inovadoras pode se constituir em um conjunto de condições desfavoráveis.

Uma organização pode conferir liberdade de atuação aos indivíduos desde que estes cumpram as metas estabelecidas, o que alavanca a automotivação. O mesmo ocorre quando o cumprimento das metas é reconhecido e valorizado, seja por meio de recompensa material ou de simbólica. Por conseguinte, a ausência de comprometimento com metas e a falta de feedback e reconhecimento são considerados potenciais empecilhos ao comportamento empreendedor. 

O alinhamento entre os valores também é essencial. Se os indivíduos não se identificarem com os valores e princípios adotados pela organização, dificilmente encontrarão motivação para agir em busca dos objetivos organizacionais. Assim como esse alinhamento, a colaboração e compartilhamento de conhecimento entre as pessoas possuem o potencial de fomentar o comportamento inovador. Novas ideias podem ser aperfeiçoadas quando ocorre interação entre os autores e seus pares. Para isso, devem existir canais de comunicação direta para o compartilhamento de valores e de conhecimento, sem vínculos a processos de comunicação excessivamente formais, que poderiam constituir barreiras.

Consideradas as condições que favorecem ou dificultam a ação empreendedora e reconhecidos os benefícios que essa ação pode proporcionar a uma organização específica, cabe refletir sobre como elas se estendem a toda uma Nação. Um País não proporciona suficiente liberdade para que as pessoas empreendam e inovem quando seus cidadãos não se sentem estimulados a empreender e, enfim, participar das decisões, tomar iniciativa, aprender continuamente, buscar a realização de objetivos e cumprir metas, pautados por valores comuns e compartilhados, com visíveis ganhos em qualidade de vida pela oportunidade de desenvolvimento da própria sociedade, com uma comunicação transparente e efetiva dos resultados que se obtém rumo a esse desenvolvimento.

Em síntese, além de lidar com a incerteza, o empreendedorismo é necessário para cumprir o trabalho diário aplicado a diversas atividades econômicas. Com liberdade para empreender, em qualquer atividade que realizem, as pessoas podem contribuir para a eliminação de ineficiências e descobrir meios para a exploração de oportunidades econômicas. É função do gestor promover meios para que o processo empreendedor possa se consumar. Entenda-se como gestor não apenas aquele que provê meios para a obtenção de resultados que favoreçam a rentabilidade de um negócio, cujo sucesso seja espelhado no lucro, mas também aquele que pode promover condições favoráveis para que o comportamento empreendedor prevaleça nos cidadãos, em geral. Em ambos os casos, o progresso econômico geral é uma potencial recompensa para a sociedade, como um todo.

 

Referências

 

CALDEIRA, A.; MEDEIROS JR., A. Obstáculos e Incentivos ao Intraempreendedorismo em Empresas Inovadoras. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, v. 10, n. 3, p. 100-116, 2016.

FRIEDMAN, M. Capitalism and freedom. University of Chicago Press, 2009.

HAYEK, F. A. Competition as a discovery procedure. Quart J Aust Econ v. 5 n. 3, p. 9–23, 1968.

MCGREGOR, D. O lado humano da empresa. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MISES, L. Human Action. A Treatise on Economics. The Ludwig von Mises Institute: Auburn, Alabama 1998 (New Scholar’s Edition).

SCHUMPETER, J. A. Can capitalism survive? Creative destruction and the future of the global economy. New York: Harper Perennial, 2009.

SMITH, A. From The Wealth of Nations. In: Readings in the Economics of the Division of Labor: The Classical Tradition. 2005. p. 93-123.

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