A notícia mais recente a desestabilizar os mercados foi a tentativa do presidente Donald Trump de demitir a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook, sob acusações de fraude hipotecária. Trata-se de uma ação inusitada, que já provoca forte reação institucional e amplia os temores sobre a independência do banco central americano.
A investida, interpretada como uma manobra para influenciar a política monetária ao conquistar maioria no comitê do Fed, gerou efeitos objetivos: o dólar caiu em relação a outras moedas fortes e os juros de longo prazo subiram, refletindo o aumento do prêmio de risco. Esse episódio reacende uma questão institucional fundamental e, para muitos, já resolvida: qual deve ser o grau de independência de um banco central?
O mundo civilizado tem adotado modelos institucionais que conferem aos bancos centrais algum grau de autonomia ou independência. A razão é simples: a experiência histórica mostra que blindar a política monetária contra ciclos eleitorais e contra o voluntarismo político é, até aqui, a melhor forma conhecida de garantir previsibilidade, estabilidade e ancoragem de expectativas. Mas será que Donald Trump desconhece esse dado da realidade? Ou simplesmente escolhe ignorá-lo?
A resposta não vem pronta e exige algum grau de inferência. Abaixo, delineio três hipóteses que podem ajudar a explicar o comportamento do presidente americano:
Pressão por juros mais baixos em ano eleitoral
Trump deseja estimular a economia com juros mais baixos, impulsionando crédito, consumo e atividade antes das eleições de novembro. Como o Fed resiste a cortes imediatos, ele tenta impor maioria dentro do FOMC para forçar a redução das taxas.
Visão personalista do poder executivo
Trump opera com uma lógica executiva autoritária e entende que, como presidente eleito, deve ter controle sobre todos os braços do governo, inclusive os independentes. O problema é que isso fere o princípio da separação institucional entre funções técnicas e políticas, basilar em qualquer república funcional.
Reação ao establishment tecnocrático
Para muitos, o Fed representa um bastião da tecnocracia que resiste à vontade popular e bloqueia projetos de governo. Dentro dessa narrativa, "limpar" a instituição de vozes críticas ou autônomas é visto como um ato de justiça política e não como uma ruptura.
É preciso dizer que essas hipóteses não são mutuamente excludentes. Mas, qualquer que seja o diagnóstico, o remédio proposto por Trump está errado. Ao sacrificar instituições americanas no altar do curto prazo, Trump cede à tentação do atalho — e o resultado já é conhecido: comprometimento da credibilidade do Fed, desancoragem de expectativas de inflação, alta dos juros de longo prazo e maior volatilidade da moeda americana.
Allan Gallo. Professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.
