A política é um fenômeno ruidoso, e é fundamental separar fatos de narrativas. Max Weber, o economista alemão, lembrava que ciência e política são vocações distintas: à ciência cabe a busca da verdade pela razão e pela crítica, enquanto a política se guia pela ação e pelo poder, sacrificando muitas vezes a verdade. O governo tortura os dados para ajustá-los ao projeto de poder, a oposição obstrui a qualquer custo, e essa é a natureza da disputa.
A instrumentalização de estatísticas econômicas é prática comum, e por isso cabe ao analista ser fiel aos fatos. E os fatos mostram que o mercado de trabalho brasileiro atravessa um momento historicamente favorável. A taxa de desemprego caiu para 5,6%, a menor desde 2012, e a população ocupada atingiu 102,4 milhões de pessoas, com salários reais em alta.
A massa salarial recorde explica parte do dinamismo do consumo e ajuda a sustentar o crescimento acima do potencial estimado em 2% a 2,5%. À primeira vista, esse quadro parece saudável, mas a teoria econômica mais básica não permite ilusões, pois quando a atividade cresce além do produto potencial a pressão inflacionária tende a se manter.
Os preços dos serviços, ainda em 6,14% em 12 meses, confirmam o risco inflacionário justamente porque, em contraste com a desaceleração do IPCA cheio, esse setor mais resistente continua a expor a tensão que a curva de Phillips já ensinava. Pleno emprego e renda aquecida dificilmente convivem com estabilidade de preços, e o dilema brasileiro nesse contexto não é apenas monetário, mas sobretudo fiscal, já que o governo amplia gastos, concede aumentos reais ao salário-mínimo e expande transferências sem qualquer ajuste compensatório. São medidas de efeito rápido, mas corrosivas no longo prazo.
A política fiscal segue pró-cíclica enquanto o Banco Central carrega sozinho a tarefa de conter a inflação com juros elevados, de modo que o governo pisa no acelerador ao mesmo tempo em que a autoridade monetária pisa no freio.
O resultado? No fim das contas é mais dívida, mais custo para financiá-la e a velha repetição de um círculo vicioso que todos já conhecem. E, enquanto isso, o país vai caminhando para a pior combinação possível, crescimento sustentado artificialmente pelo Estado, inflação solta e risco fiscal cada vez maior. Em vez de aliviar o esforço da política monetária com disciplina orçamentária, o governo prefere adiar escolhas duras, e quando a conta chegar será impossível alegar surpresa.
Allan Gallo é professor de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.
