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Ganhos e perdas do projeto que criminaliza as fake news no Brasil

Especialistas veem controvérsias e afobação na aprovação de PL

02.07.202021h22 Comunicação - Marketing Mackenzie

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Ganhos e perdas do projeto que criminaliza as fake news no Brasil

A aprovação no Senado na noite de terça-feira (30 de junho) não foi por ampla maioria. Durante as últimas semanas, houve divergências entre os senadores – muitos acreditam que não houve um amplo debate com a sociedade. Mas no fim, o PL 2.630, que criminaliza a divulgação de notícias falsas na internet e redes sociais, as chamadas fake news, foi aprovado por 44 votos favoráveis e 32 contrários, placar que mostra a divisão da casa em relação a vários pontos.

De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto foi aprovado na forma de um substitutivo (texto alternativo) do relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA) e segue para análise na Câmara dos Deputados.

O projeto, que pode virar um marco regulatório no país para a questão, cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Entre as principais medidas, está o rastreamento das mensagens que forem encaminhadas em aplicativos de mensagens como Whatsapp e Telegram. A norma também exige que os provedores responsáveis pelas redes sociais estejam no Brasil e estabelece regras para que seja feito impulsionamento e propaganda no ambiente virtual.

As plataformas são obrigadas a excluir as contas falsas, criadas ou usadas “com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”. Será permitida a abertura de contas com nome social ou pseudônimo.

Os provedores terão de limitar o número de contas vinculadas a um mesmo usuário e excluir os robôs (responsáveis pelo envio maciço de conteúdos ou que induzem usuários na rede), quando não forem identificados como tais tanto para os usuários quanto para as plataformas.

Já as empresas terão que limitar o número de envios de uma mesma mensagem e o número de membros por grupo. Elas terão, ainda, de verificar se o usuário autorizou sua inclusão no grupo ou na lista de transmissão e desabilitar a autorização automática para inclusão em grupos e em listas de transmissões.

Todos os conteúdos pagos terão que ser identificados, inclusive com informações da conta responsável pelo conteúdo, que permitam ao usuário fazer contato com o anunciante.

O texto inicial do projeto encontrou resistência de vários parlamentares. Um dos pontos mais polêmicos é o que permite que as plataformas de redes sociais e de serviços de mensagens removam conteúdo considerado parcial ou totalmente enganoso por verificadores independentes (fact-checkers). A medida foi criticada por senadores como censura e acabou caindo na versão final aprovada nesta semana.

Quem defende o projeto diz que a intenção é evitar que notícias falsas possam causar danos individuais ou coletivos e à democracia. Alessandro Vieira defendeu a continuidade dos debates para o Senado não “desperdiçar a oportunidade” de aprovar uma legislação contra a disseminação de fake news.

“A liberdade de expressão está garantida na Constituição, sem o direito de manifestar sua opinião de forma oculta, dissimulada que impeça a sua responsabilização”, disse.

Para o senador, estão entre os pontos fundamentais do projeto a responsabilização das empresas que operam plataformas sociais, transparência sobre a atividade de contas automatizadas (“robôs”, ou "bots") e restrição à disseminação automatizada de conteúdo.

Já quem é contrário avalia que a proposta precisaria ainda ser discutida com a sociedade brasileira antes de ser aprovada. "Não pode haver nenhuma sombra de dúvida sobre a possibilidade de tirar o direito de livre expressão da pessoa”, disse o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

“É muito difícil você regular de uma forma que não seja pensando no futuro. A tecnologia muda muito rápido. O projeto não está redondo ainda, embora tenha melhorado bastante”, afirma.

As novas regras se aplicam às redes sociais e aos aplicativos de mensagem que tenham pelo menos dois milhões de usuários. A lei vale também para redes e aplicativos estrangeiros, desde que ofereçam seus serviços ao público brasileiro. Os provedores menores deverão usar a lei como parâmetro para o combate à desinformação e para dar transparência sobre conteúdos pagos.

Segundo especialistas ouvidos por LexLatin, uma lei como essa não pode ser feita às pressas porque é um tema complexo, de caráter técnico e que debate o limite de direitos fundamentais. Por isso, é necessária a discussão não só entre os parlamentares, mas em toda a sociedade brasileira.

Para Patrícia Vanzolini, doutora em Direito Penal e professora da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) em São Paulo, o projeto evoluiu desde que chegou ao Legislativo. Em sua análise, a grande perda foi a exclusão da parte que punia quem financiava as fake news.

“Esse é o foco do que é mais importante nesta história. Tinha até dispositivo penal para quem financiasse disparos em massa criminosos. O problema hoje é a industrialização das fake news e o uso político disso. A incitação ao ódio e a desmoralização de pessoas são exemplos do uso destas ferramentas de forma ilícita e escusa”, afirma.

A advogada explica que a lei é mais ampla do que a discussão das notícias falsas, porque fala de transparência, forma de uso e disciplina processos. “Ela define, por exemplo, que a conta robô seja identificada como tal e também a identificação de conteúdo pago. Porém, ela está sendo feita no calor eleitoral. O debate mais prolongado é necessário. Por isso, não deveria sair do forno às pressas”, diz.

Leonardo Sica, doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, advogado criminalista e sócio da firma Sica Advogados, explica que a lei não atinge as questões principais do problema. “Ela ataca as folhas, mas não a raiz. [...], não faz efeito. A lei aprovada no Senado é prolixa, longa e com muitos artigos, além de ser confusa”, analisa.

O advogado acredita que a aprovação, neste momento, a poucos meses da escolha de novos prefeitos e vereadores, mostra “o desejo da classe política de controlar a internet em época de eleição” e também a vontade de dar uma resposta rápida à sociedade.

“Esse projeto precisa nascer outra vez. Necessita atacar quem patrocina e criar um novo crime: o financiamento de falsa propaganda. Eu pediria aos congressistas que ouvissem quem estuda o tema”, afirma.

Por causa dessas questões, o projeto terá dificuldades para ser aprovado na Câmara dos Deputados, na análise de especialistas e articuladores políticos. Nesta quarta-feira (01 de julho), o presidente Jair Bolsonaro já deu sinais que pode vetar a proposta, caso seja aprovada.

Fonte: Portal LexLatin