Como a Coréia do Sul se mantém aberta enquanto enfrenta o Coronavirus

Toda ação governamental que reduz a liberdade a partir de qualquer ponto de partida gera custos líquidos, sejam eles praticados em circunstâncias calamitosas ou idílicas. A liberdade não é uma proposta apenas para os bons tempos. Prezamos e defendemos a liberdade porque ela funciona em tempos normais e em tempos de crise.

17.03.2020

Peter C. Earle


Por: Peter C. Earle

Instituto Americano de Pesquisa Econômica

Qual é a melhor maneira para lidar com a pandemia: quarentenas marciais impostas pelo Estado de acordo com a geografia ou manter a sociedade aberta enquanto confia que profissionais médicos, indivíduos, famílias e comunidades para que tomem decisões inteligentes?

Há um mês, essa pergunta teria sido puramente hipotética, mas a resposta nos Estados Unidos teria sido categórica. Afinal, aquele é um país calcado no Estado de Direito, com uma Constituição, limites ao poder do Estado e uma confiança visceral na liberdade. Certo?

Nem tanto. Como os tempos mudam em uma crise. Prefeitos e governadores de todo os Estados Unidos estão impondo quarentenas, não porque elas realmente funcionam, mas porque não querem ser responsabilizados por não agir.  Para além dessas questões, então, vamos considerar o ponto fundamental: no combate a uma pandemia o que funciona?

A Coréia do Sul registrou uma diminuição constante de novos casos de coronavírus na primeira semana de março. O país teve o quarto maior número de casos de coronavírus no mundo e não houve quarentenas impostas por guardas armados. Ao invés disso, a única preocupação era diagnosticar imediatamente e isolar os doentes.

Após a média de mais de 500 novos casos por dia, até a última semana de fevereiro, entre sexta e domingo, os números diários totalizaram 438, 367 e 248, de acordo com o Centro de Controle de Doenças da Coréia.

Como é que, sem mobilizar as forças armadas ou impor quarentena generalizada a disseminação de coronavírus na Coréia do Sul parece estar diminuindo?

Na verdade, há uma pergunta melhor: por que os EUA (e também o Brasil) copiam a China e não a Coréia do Sul em suas políticas de enfrentamento ao vírus?

Os Estados Unidos estão no auge do período eleitoral no momento, e invocações arrogantes da Constituição e da Declaração de Independência são recorrentes (embora nem sempre coerentes). É claro que na maioria das vezes tudo não passa de conversa mole - e mais mole ainda quando saem da boca dos políticos. É apenas em tempos de crise que a veracidade do compromisso de alguém com a liberdade e os direitos humanos é revelada. A diferença entre os EUA e a China é que a China não faz nenhuma demagogia com a ideia de liberdade e nem mesmo com os direitos individuais.

A Coréia do Sul está reforçando os direitos de propriedade privada para impedir a propagação do vírus, com os proprietários de edifícios postando e aplicando sinais de "sem máscara, sem entrada". (Imagine quantos americanos e brasileiros reagiriam ao terem sua entrada ou serviço negados pelos proprietários e prestadores).

Foram criados diversos postos de “teste de coronavirus drive-through” em todo o país, nestes postos após um teste de dez minutos as pessoas são notificadas em poucas horas se foram infectados ou não. Um aplicativo de telefone de autodiagnostico voluntário foi criado nos estágios iniciais da pandemia e  centros de "vida e tratamento" foram criados com o espírito de "quarentena suave/voluntária".

Os sul-coreanos estão agindo com base em sua experiência com a pandemia do H1N1 em 2009: eles estão lavando as mãos com frequência, fazendo um esforço para não tocar em seus rostos, usando máscaras e praticando o distanciamento social na medida do possível. O alto nível de acesso à tecnologia pessoal na Coréia do Sul torna o último eminentemente praticável, dada a onipresença das telecomunicações por vídeo e outras tecnologias desse tipo.

Contraste isso com os desenvolvimentos nos poucos dias desde que a Itália colocou todo o país em quarentena, os casos ativos aumentaram de 5.000 a 6.000 para mais de 8.500. As mortes por coronavírus aumentaram nesse mesmo período, de 366 para 631 (todos os números em 10 de março).

É verdade que certos aspectos do manejo do surto pela Coréia do Sul violam direitos individuais, principalmente no que diz respeito à privacidade. O uso da vigilância por câmera e o rastreamento do telefone celular e da atividade bancária de indivíduos provavelmente infligidos com o coronavírus violam totalmente quaisquer princípios marginalmente liberais. Mas o ponto predominante é que, com um toque muito mais suave - muito mais respeitoso com o cidadão do que em qualquer outro lugar, incluindo o  próprio “bastião da liberdade” -  o governo sul-coreano obteve resultados superiores às medidas autoritárias mais pesadas e autorizadas da China. , Itália, EUA e praticamente todas as outras nações afetadas.

Colocando o discurso em prática

O vice-ministro da Saúde, Kim Gang-Lip, resumiu a premissa básica da abordagem do governo sul-coreano de impedir a disseminação do coronavírus:

“Sem prejudicar o princípio de uma sociedade transparente e aberta, recomendamos um sistema de resposta que combine a participação pública voluntária com aplicativos criativos de tecnologia avançada. "

Enquanto a disseminação global do vírus ainda está se desenrolando e o surgimento de novas cepas pode lançar a proverbial chave no mecanismo político de Seul, atualmente os resultados falam por si.

Toda ação governamental que reduz a liberdade a partir de qualquer ponto de partida gera custos líquidos, sejam eles praticados em circunstâncias calamitosas ou idílicas. A liberdade não é uma proposta apenas para os bons tempos. Prezamos e defendemos a liberdade porque ela funciona em tempos normais e em tempos de crise.

A rápida decisão entre a maioria dos países de mobilizar suas forças armadas, forçar o bloqueio de comunidades, pressionar as empresas a reter seus serviços e paralisar o movimento individual revela precisamente o que suspeitávamos, mas não sabíamos completamente sobre nossas classes dominantes. Nossas liberdades são dispensáveis quando eles dizem que são.

 

Peter C. Earle é um economista e escritor que ingressou na AIER (Instituto Americano de Pesquisa Econômica) em 2018 e, antes disso, passou mais de 20 anos como trader e analista nos mercados financeiros globais em Wall Street. Sua pesquisa se concentra nos mercados financeiros, questões monetárias e história econômica. Ele foi citado no Wall Street Journal, Reuters, NPR e em várias outras publicações. Peter possui um mestrado em Economia Aplicada pela American University, um MBA (Finanças) e um bacharelado em Engenharia pela Academia Militar dos Estados Unidos em West Point.

Artigo original em inglês: https://www.aier.org/article/south-korea-preseved-open-infection-rates-are-falling/?fbclid=IwAR3erxweQ_HfeHSNKFsjXVbfPxGyebotPrLAHKfJh5WqW7XxFz2lvQiYPgo

 

 

 

 

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