Pesquisa de professora mackenzista mostra relação entre saúde mental e questões sociais

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Trabalho desenvolvido pela docente procurou analisar impactos de programas sociais na vida de crianças e adolescentes

08.06.2021 Atualidades


As desvantagens sociais, como pobreza, moradia precária e evasão escolar, podem impactar diretamente a saúde mental de crianças e adolescentes e Programas de Transferência de Renda podem minimizar essa influência negativa, como revela uma pesquisa da professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Cristiane Silvestre de Paula, feita em parceria com diversas universidades estrangeiras, como a London School of Economics and Political Science, da Inglaterra. 

Cristiane e outros especialistas estudam, desde 2018, a dinâmica entre pobreza e saúde mental em jovens, examinando o impacto de políticas de redução da pobreza na saúde mental, nas oportunidades de vida visando entender o risco futuro de pobreza em seis países em desenvolvimento. São três países da América Latina (Brasil, México e Colômbia) e três da África (África do Sul, República da Libéria e República do Malawi). O projeto é chamado Poverty reduction, mental health and the chances of young people: understanding mechanisms through analyses from 6 low- and middle-income countries ou CHANCES-6. No Brasil, a pesquisa é feita em parceria com a professora da USP,  Alicia Matijasevich. 

“A infância e a juventude representam fases de importantes mudanças sociais, emocionais e comportamentais, com desafios em diferentes aspectos da vida, como educação, transformação nas relações pessoais e transição para o trabalho”, explica a professora mackenzista ao apontar a razão pela qual o estudo foca nessa população  

De acordo com Cristiane, quando as famílias recebem uma renda básica, em algum programa social, a tendência é que este dinheiro, ainda que mínimo, possa provocar melhoria na saúde mental. “Programas de intervenção que ajudem crianças e jovens a passarem por essa fase, podem alterar suas trajetórias, melhorando suas oportunidades de vida a curto e a longo prazos, gerando benefícios emocionais, sociais e econômicos”. Os problemas de saúde mental investigados são estresse psicológico, ansiedade, depressão, problemas de comportamento e cognição.

Espera-se que a verba recebida pelas famílias possa as melhorar as oportunidades de vida, como, por exemplo, proporcionar à aquisição de material escolar, livros e cursos, levando a maior acesso e consequentemente melhando a autoestima do usuários, além de contribuir para a compra de produtos básicos, como de gênero alimentício, roupas e produtos de higiene. 

Cristiane explica que os dados do CHANCES-6 são os primeiros do mundo a articularem resultados de milhares de jovens de diferentes países, combinando dados quantitativos com entrevistas em profundidade com jovens e suas famílias.

Um resultado preliminar interessante da pesquisa foi que se por um lado, o cumprimento de algumas obrigações para o recebimento da renda básica (condicionalidades) tem gerado melhoria nos índices de saúde, por outro, tem gerado estresse nos usuários porque ‘o não cumprimento acarreta na perda do benefício, que faz muita diferença na vida das famílias”, explica a mackenzista.  

Dados no Brasil

Com um artigo de revisão em prepare, a professora Cristiane afirma que no Brasil, após o programa Bolsa Família, criado pelo Governo Federal em 2003, foi bastante útil para a redução dos índices de pobreza e para melhorar a vida no aspecto da saúde geral, como a melhora nutricional e redução de doenças infectocontagiosas. No entanto, dados preliminaries (de um artigo submetido para publicacao em fevereiro de 2021) revela que o programa nao chegou a promover a saúde mental dos jovens.

“Os motivos estão sendo analisados no artigo e continuarão em análise, mas um dos fatores parecer ser o baixo valor do benefício, que acaba sendo usado para comprar gêneros alimentícios, o que não tem gerado retornos mais amplos, como impacto na saúde mental e oportunidade de vida das crianças/jovens”, explica a docente. 

Na Libéria, por exemplo, os dados indicam que receber terapia somada ao auxílio financeiro reduzia e mantinha o efeito positivo na saúde mental e na queda de violência perpetrada por jovens adultos do sexo masculino.

Por outro lado, a professora chama a atenção para possíveis desmontes na área dos programas sociais, como por exemplo, a redução do número de famílias atendidas, algo que aconteceu de 2017 a 2019, com retomada em 2020 mas que se estabilizou desde então. “É bastante preocupante, considerando que o B estava bem estabelecido em todas as regiões do país e vinha se expandindo desde seu início”, aponta ela.

Período da pandemia

Com o estudo em andamento, os pesquisadores aproveitaram para avaliar os impactos dos programas financeiros aplicados durante o período de isolamento social para contenção do coronavírus, como o Auxílio Emergencial, aqui no Brasil que, em 2020, era quase sete vezes maior que o valor dado pelo Bolsa Família. 

“O Auxílio Emergencial sim, tem sido fundamental para as famílias, principalmente para aquelas em extrema pobreza que vivem basicamente do Bolsa Família. Digo isso, principalmente, porque o valor do Auxílio é muito maior”, aponta a professora.  

No entanto, ela volta a lembrar que apenas pagar o valor não é suficiente para melhorar as condições de saúde mental dos jovens. Para isso, são necessárias ações feitas em conjunto com o pagamento dos benefícios. 

Um artigo do CHANCES-6, publicado na Lancet Psychiatry em 2021, apresenta dados preliminares do Brasil, Colômbia e África do Sul e aponta algumas medidas que podem ajudar na melhoria da saúde mental de crianças e adolescentes em situaçao de vulnerabilidade social, a partir dos programas de transferência de renda.

São cinco recomendações. Gostaria de destacar duas delas, sendo a primeira sobre novas abordagens de identificar os jovens em situação de risco e que podem desenvolver ou estar vivenciando problemas de saúde mental. “Estruturas de bem-estar e proteção social estabelecidas podem ser usadas para identificar estes jovens durante ou após a pandemia, sem a necessidade de investir em procedimentos formais de avaliação de saúde mental”, explica Cristiane. Uma segunda proposta seria no sentido de facilitar o acesso a informações existentes por meio de uso da tecnologia, como encaminhamento de mensagens de textos e mídias sociais com informações sobre a covid-19 e medidas para preservação da saúde mental.