Ahmed Sameer El Khatib
Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo
É possível que um banco ganhe dinheiro sem cobrar juros? As Finanças Islâmicas, por meio dos Bancos Islâmicos, provaram ao longo das últimas décadas que não somente é possível, como rentável.
As finanças islâmicas têm despertado interesse do Ocidente desde a década de 1970, em função do seu forte crescimento anual, fruto da modernização dos sistemas bancários islâmicos, que não deixaram de ser baseados em princípios estabelecidos no Alcorão há mais de 1400 anos.
Um conjunto de princípios diferencia singularmente as finanças islâmicas das finanças convencionais ou ocidentais, já que vai além das questões econômicas e financeiras puras, alcançando a sociedade e visando seu bem-estar social. A Lei Islâmica ou Sharia proíbe, por exemplo, a cobrança e o pagamento de juros, conhecido como riba. Fato ímpar que já causa estranheza aos bancos ocidentais ou convencionais, à medida um banco supostamente só geraria riqueza por meio dos juros cobrados de seus clientes.
Os ganhos dos muçulmanos (praticantes do islamismo) devem vir de meios permitidos (lícitos), conhecidos como halal, e também devem ser gastos em categorias de despesas islamicamente aceitáveis. Consequentemente, o Islã proíbe o investimento em empresas que são consideradas ilegais ou contrárias aos ensinamentos e valores islâmicos. Além disso, a distribuição da riqueza é considerada a principal preocupação na economia islâmica. A riqueza no Islã deve ser compartilhada, não se concentrar em poucas mãos (pessoas ricas). Para os muçulmanos, a preocupação com os outros, em particular os pobres e os necessitados, estão profundamente inscritos nos pilares do Islã. O islamismo, portanto, encoraja os muçulmanos a maximizar suas riquezas, desde que não criem uma situação de desequilíbrio social ou que violem as normas da justiça e moral islâmicas.
Muitos dos produtos oferecidos pelas instituições financeiras islâmicas são comparáveis às finanças ocidentais ou convencionais, mesmo sendo proibidos juros e especulações. Os bancos são, de longe, os maiores atores das finanças islâmicas - alguns deles são exclusivamente islâmicos, oferecendo produtos compatíveis com a Sharia ou Lei Islâmica outros são convencionais, sem interferência da religião.
Além da ausência de taxas de juros, o conceito-chave das finanças islâmicas é o compartilhamento de riscos entre as partes em todas as operações. Aqui estão alguns dos principais produtos compatíveis com a sharia oferecidos pelos bancos - eles têm nomes em árabe, mas na maioria dos casos, podemos encontrar um equivalente no sistema bancário ocidental convencional.
De acordo com o Islamic Financial Services Board – IFSB (2019) e o International Monetary Found – IMF (2018), as Instituições Financeiras Islâmicas praticamente ficaram ilesas a última crise mundial de 2008, em função da sua postura de transparência junto aos usuários das informações financeiras, bem como por conta da proibição de atividades especulativas em suas operações.
Estudos realizados anualmente pela Ernst & Young (EY), o mais recente em 2018, aponta um que os ativos financeiros islâmicos ultrapassarão os US$ 2 trilhões em 2019, números que crescem anualmente, mesmo em momentos de crise, como no caso da crise financeira mundial de 2008, em que os ativos financeiros islâmicos mantiveram um crescimento médio de 12%.
Os princípios fundamentais das finanças islâmicas são mencionados por estudiosos islâmicos e não islâmicos ao redor do mundo em centros de estudo ou universidades ocidentais. Podemos sintetizar os princípios gerais das finanças islâmicas nos seguintes pontos:
- Proibição dos Juros (riba) ou seu excesso;
- Proibição da especulação ou risco (gharar)
- Proibição de venda ou cessão de dívida (bay al-dayn)
- Proibição de investimentos ou aplicações em atividades econômicas ilícitas, como jogos de azar, produção de bebidas alcoólicas e religiosamente inaceitáveis (haram)
- Necessária que cada operação financeira esteja relacionada com alguma transação econômica real.
Dessa forma, um islâmico investe no negócio de um agricultor, por exemplo, repartindo com ele os benefícios. Ele não concede um empréstimo em que se limita a receber juros, sem participar no negócio e envolve-se no investimento, como se se tratasse da própria empresa. Em circunstâncias excepcionais são permitidos juros quando existem ativos físicos cuja construção ou negociação produzir lucros. As obrigações islâmicas lastreadas por ativos físicos recebem o nome de sukuks. De fato, o singular desta palavra está na origem da palavra "cheque", tão utilizada no mundo ocidental. Dito de outra forma: no mundo árabe, o dinheiro não produz dinheiro, apenas riqueza e o bem-estar da sociedade.
O investimento na indústria transformadora de produtos proibidos (haram), como o tabaco, o álcool, armas de fogo, os alimentos derivados de porco, os casinos, hotéis, entretenimento de adultos, etc. está vedado. Isto restringe em grande medida os investimentos dos sukuks. Por outro lado, não são permitidos a especulação e o jogo (maisir), incluindo a negociação (trading) especulativa e a troca de dívida por dinheiro (sem transferência de ativos tangíveis). Como é evidente, e para ser consistente com os princípios anteriores, a incerteza evitável (ghara) ocasionada pelos instrumentos derivativos não é bem-vinda neste contexto.
Finalmente, a negociação de dívida só é permitida ao preço nominal a que a mesma foi emitida e nunca ao valor de mercado (mark-to-market). Se olharmos para a crise do subprime, veremos que esta foi causada em grande parte por princípios que o mundo islâmico considera inaceitáveis, tais como a alavancagem desmedida, a especulação, os derivativos e os efeitos negativos das valorizações de mercado nos balanços das instituições.
Uma das facetas da liberdade que traz maior reflexão é a liberdade econômica, isto porque faz parte de um dos aspectos da liberdade material, não podendo ser renegada a mero acessório. Tal importância se dá à liberdade econômica, pois esta é intrinsecamente ligada ao preceito básico da economia. Ou seja, a liberdade econômica ajuda a entender as possíveis soluções para as perguntas: o que produzir, como produzir e para quem produzir. Desta feita, tender à liberdade econômica ou a centralização das decisões nas mãos do governo, especialmente em países islâmicos ou mais fechados, impacta diretamente na qualidade de vida das populações, e tem reflexos nas instituições, afetando fatores como corrupção e desenvolvimento humano.
REFERÊNCIAS
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COSTA, A.L. As possibilidades de relacionamento entre capitalismo e a economia islâmica a partir da perspectiva de Muhammad Baqir Assadr. 2016. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
ERNST & YOUNG (EY). World Islamic Banking Competitiveness Report 2016–17. Disponível em: . Acesso em 12 mar. 2019. KHAN, F. How “Islamic” is Islamic Banking? Journal of Economic Behavior and Organization, v. 76, n. 3, p. 805–820, 2010.
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MARTINS, A. A Banca Islâmica. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004.
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