"Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?". A estudante do 6° período de Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, Ana Lisboa, se identifica com a famosa frase da artista Frida Khalo. Enquanto suas pernas são fracas para algumas atividades físicas, ela é uma potência com os braços. Campeã Brasileira Absoluto, Brasileira Sub-20, Brasileira Universitário e também campeã Brasileira Escolar em todas as provas que nadou, Ana coleciona aproximadamente 80 medalhas, entre ouro, prata e bronze e se prepara para o Brasileiro Absoluto e Brasileiro Sub-20. A trajetória da atleta começou aos três anos de idade e continua até hoje competindo pelo Club de Regatas Vasco da Gama e representando o nome da Faculdade no peito.
Ana, que é de Sepetiba, zona Oeste da cidade do Rio, nasceu com Mielomeningocele, uma má formação congênita da coluna vertebral do feto que ocorre no início da gravidez. Isso faz com que os ossos da coluna do bebê não se desenvolvam adequadamente, gerando nela uma limitação motora nos membros inferiores, predominantemente na perna esquerda. Para celebrar o Dia Nacional do Atleta Paralímpico, 22 de setembro, e saber os desafios, sonhos e projetos da nossa estrela do esporte aquático fizemos um bate-papo rápido para conhecê-la melhor.
Como você descobriu a natação?
Ana: Conheci a natação porque meus pais e minha irmã faziam aula e academia, e eu os acompanhava. Num determinado momento pedi para participar, gostei e acabei ficando.
Quando começou a competir no esporte paralímpico?
Ana: Comecei a competir com 14 anos, em 2020, quando eu fiz um teste para o Vasco e passei. A primeira competição, após a pandemia, eu já participei e consegui índices para o Brasileiro Absoluto. Então, eu já nadava escolar e Brasileiro Absoluto assim que eu iniciei.
Quais conquistas (medalhas, títulos, marcas pessoais)?
Ana: Eu tenho aproximadamente 80 medalhas e eu fui campeã escolar de todas as provas que eu nadei todos os anos. Fui campeã universitária estadual e brasileiro, também todas as provas que nadei de 2023 para cá, e atualmente, eu sou a segunda melhor do Brasil geral na prova dos 100 metros Borboleta na categoria S8.
Como equilibra a rotina intensa de treinos com as aulas e provas da faculdade?
Ana: O clube me ajuda bastante. Meu técnico é bem flexível com relação a isso. Então eu consigo, principalmente próximo a semana de provas, diminuir um pouco a carga horária de treinos. Eu chego mais cedo em casa e consigo dar uma atençãozinha maior para a faculdade. E quando está em semana de competição é o contrário. Eu acabo dando uma reduzida na faculdade, focando um pouquinho mais no treino, mas eu nunca deixo nenhum dos dois lados cair.
Um medo antes de cair na água?
Ana: Eu tenho medo de dar alguma coisa errada nos equipamentos, por exemplo: tenho muito medo da minha touca rasgar, dos meus óculos quebrarem, do meu traje rasgar. Esses são medos que eu tenho antes de cair na água. Medo da prova em si, eu não digo se eu sinto medo. Eu sinto ansiedade talvez de saber se vai dar muito bom ou se vai dar muito ruim, mas medo mesmo é mais com relação no material.
Uma lembrança inesquecível de campeonato?
Ana: Meu primeiro brasileiro sub 20, que eu nadei a prova dos 50 Borboleta e eu ganhei ouro por IPC (índice técnico), onde todas as classes competem juntas e cada uma vai ter o um número de índice técnico. E dentro de todas as classes eu ganhei ouro com o maior índice técnico na prova principal. Foi uma prova muito emocionante, eu saí da piscina chorando, fui abraçar os técnicos. Foi realmente muito emocionante e, sem dúvidas, inesquecível assim de campeonato.
Qual foi sua prova mais difícil até hoje?
Ana:: A prova mais difícil foi o meu primeiro brasileiro sub 20 Borboleta, que eu falei acima. Foi realmente muito difícil, pois eu estava treinando muito para essa prova e eu entrei com nervosismo, com ansiedade de saber se ia dar certo ou se não ia dar certo. Eu nadei com muita vontade. A minha principal concorrente estava nadando na raia ao meu lado, sendo muito difícil controlar minha ansiedade e vendo ela nadando do meu lado, sem querer perder para ela. Foi a prova mais difícil!
Que música você ouve antes de competir?
Ana: Eu ouço qualquer música muito agitada. Ou eu escuto um funk bem animado ou escutou um piseiro, alguma coisa bem agitada que é para tirar a minha cabeça dali. Então qualquer música que seja muito agitada, menos eletrônica, porque eu não gosto de eletrônica.
Natação ou faculdade: qual dá mais frio na barriga?
Ana: A faculdade porque a natação eu treino muito, muito, muito... nos treinos eu pego tempo, faço séries que simulam competição, e isso faz com que eu saiba como eu estou. Justamente por eu ter esse parâmetro, esse controle durante os treinos, acaba dando menos frio na competição, porque eu sei quando eu estou bem e quando estou mal, do que para a prova, para a faculdade. Acho que a faculdade me dá mais frio na barriga porque às vezes, por mais que eu me esforce muito e estude muito, eu não sei como vai estar o meu parâmetro ali na hora da prova. Então a faculdade me dá mais frio na barriga do que a natação.
Um sonho que você ainda quer conquistar no esporte?
Ana: Eu ainda quero ter o primeiro lugar Brasileiro. Sei que é muito difícil, mas é algo que eu, até o dia que eu parar, quero tentar conquistar o primeiro lugar Brasileiro Absoluto no ranking porque o universitário, o escolar sub 20 eu tenho o primeiro lugar, mas o Absoluto ainda falta um pouco para conseguir. Então, esse é um objetivo meu antes de parar de competir.
E fora da piscina — qual seu maior objetivo como estudante/profissional?
Ana: Meu maior objetivo é ser uma advogada de referência. Eu quero ser muito referência na área em que eu atuar, que ao tudo indica deve ser com Direito da Família. Então eu tenho um objetivo, uma meta muito grande de ter um escritório de referência com os muito associados...de ser uma grande advogada mesmo.
Quem mais te inspira na vida?
Ana: A pessoa que mais me inspira na vida é a minha mãe; pela maneira como ela me criou, por todas as dificuldades que ela passou e passa até hoje. Por ela me permitir apenas estudar. Ela sempre fez de tudo para que eu conseguisse treinar e estudar. Se eu estou onde eu estou no esporte, se eu estou onde estou hoje na faculdade que eu estou, é por conta dela. Tem uma frase que é bem genérica e que eu gosto muito que diz: Minha mãe precisou correr muito no sol para que eu pudesse andar na sombra. Até hoje ela corre muito no sol para que eu possa andar na sombra. Ela é a minha maior inspiração na vida.
Se pudesse dar um conselho para você mesma quando começou a nadar, qual seria?
Ana: Eu diria para me cobrar menos lá atrás, porque eu me cobrava muito e ficava muito nervosa. Então, falaria para eu aproveitar mais, me divertir e brincar mais no processo. Eu acho que durante a fase escolar é uma etapa que você precisa se divertir, precisa curtir o processo da adolescência, de tudo, sem muita cobrança.
O que o esporte te ensinou que nenhuma sala de aula poderia ensinar?
Ana: O esporte me ensinou a ser disciplinada, a correr atrás do que eu realmente quero porque muitas vezes só depende de mim. Me ensinou também a não dar desculpas do que não tem desculpa. Levo esse aprendizado para a vida. Faço independentemente da circunstância, uso o que tenho, a ter empatia também com as pessoas. Nem sempre é sobre ganhar ou perder, às vezes, é sobre simplesmente ser melhor do que você foi ontem ou ficar feliz pelo resultado do outro. Isso também é um ensinamento muito importante que o esporte ensina de que a felicidade não vem só do seu resultado. A felicidade vem do resultado do próximo também. Agradecer pelas suas conquistas, aprender com as suas derrotas e ficar feliz com as conquistas das pessoas que você ama e admira. O esporte ensina isso para vida que ninguém ensina na prática, é isso!









