“Sou verdadeiramente rico, porque estou abundantemente satisfeito com meus parcos recursos.” – João Calvino.
João Calvino, teólogo francês, nasceu em 1509, século XVI. Ele foipara Paris a mando de seu pai paraestudar Artes e posteriormente Teologia, pois este entendia que a vida eclesiástica lhe renderia melhores frutos. Posteriormente, também a mando de seu pai, quando iria iniciar os estudos em teologia, interrompeu a sequência natural e foi estudar direito, pois seu pai via nesse curso maiores possibilidade de rendimentos.
Calvino viveu em um período histórico da descoberta da América e de suas riquezas que transformaria a vida na Europa, incrementando o comércio, gerando maior consumo, a luxuosidade e como resultado a inflação que afetou de maneira direta a vida de toda a população, principalmente os mais pobres.
Ciente que nossa vida aqui na terra é temporária, que estamos aqui de passagem, com vistas à morada celestial, eterna, Calvino recomendou que vivêssemos uma vida moderada, sem extravagâncias: “Aquele que prescreve que deves usar deste mundo como se dele não usasses, aniquila não apenas a intemperança da gula na comida e na bebida, a moderada indulgência na mesa, na moradia, na indumentária”. (CALVINO, 2006, 194).
Calvino nos ensinou a viver com paciência e moderação: “Aqueles a quem os recursos são limitados e escassos saibam carecer deles pacientemente, para que não sejam atormentados por moderada cobiça” (CALVINO, 2006, 194), e ainda quanto à cobiça ele nos disse: “Nossa cobiça é um abismo insaciável, a menos que seja ela restringida; e a melhor forma de mantê-la sob controle é não desejarmos nada além do necessário imposto pela presente vida” (CALVINO, 1998, 168). A razão disso é que, se soubermos suportar a pobreza, não seremos soberbos na riqueza, se assim Deus nos conceder. Ele afirmou: “Quero dizer que aquele que se envergonhar de veste modesta, se vangloriará da luxuosa; aquele que não se contentar com uma ceia frugal, se afligirá ante o desejo de uma refeição mais abundante” (CALVINO, 2006, 195).
Não podemos imaginar que Calvino, ao recomendar uma vida com moderação e frugalidade, entendia que o sofrimento e a tristeza fossem algo que agradasse a Deus, como sendo este um objetivo de vida; pelo contrário, entendia que as coisas por Deus criadas nos foram dadas, não só para nossa necessidade, mas também, para nossa satisfação e alegria.
Ora, se ponderarmos a que fim Deus criou os alimentos, verificaremos que ele quis levar em conta não só a necessidade, mas também o deleite e alegria; assim, na indumentária, além da necessidade, foi seu propósito fomentar o decoro e a dignidade; nas ervas, árvores e frutas, além dos variados usos, proporciona a beleza da aparência e a suavidade do perfume. (CALVINO, 2006, 192).
Assim, o reformador entende que Deus na sua benignidade, nos concede o uso das coisas por Ele criado; mas, que elas não nos pertencem, continuam a pertencer a Deus, a quem teremos de prestar contas, como afirma Costa (2004, p. 125): “A Bíblia nos ensina que todas as coisas nos são dadas pela benignidade de Deus e são destinadas ao nosso bem e proveito. Deste modo, tudo que temos constitui-se em depósito do que um dia teremos de dar conta”.
E nas palavras do próprio Calvino: “Portanto, assim importa administrá-las para que aos ouvidos nos soe constantemente esta ordem: ‘Dá conta de tua mordomia’[Lc 16.2]”. (Calvino, 2006, 195).
Talvez possamos imaginar que Calvino, com sua teologia da frugalidade, fosse alguém que condenou a riqueza. Não ele não as condenou. O que ele condenou é o amor às riquezas, conforme suas palavras: “Não são as riquezas a causa dos males que Paulo menciona aqui, ma o profundo apego a elas, mesmo quando a pessoa seja pobre” (CALVINO, 1998, 168). Desta forma, podemos ver que o problema não são as riquezas, mas o amor a elas, vejamos o que ele nos diz:
Pois todos quantos têm como seu ambicioso alvo a aquisição de riquezas se entregam ao cativeiro do diabo. É mui veraz o que diz o poeta pagão: “Aquele que quer ser rico, também quer ser rapidamente rico” E assim, segue-se que todos quantos violentamente desejam ficar ricos são arrebatados por sua própria impetuosidade. [...] E é especialmente verdade no tocante á vil avidez por lucros, que não há males que este não produza farta e diariamente: incontáveis fraudes, falsidades, perjúrio, impostura, extorsão, crueldade, corrupção judicial, contendas, ódio, envenenamentos, homicídios, e toda sorte de crimes. (CALVINO, 1998, 170).
Pelo exposto acima, poderíamos ter a impressão que Calvino viveu em nossos dias. Mas também há outra razão que levou Calvino a recomendar uma vida moderada. Se dá pelo motivo que neste mundo sempre há de ter pessoas ricas e pessoas pobres. Assim, entende ele que é dever dos ricos suprir as necessidades dos pobres, com isto ele não quer dizer que haveríamos de ter uma igualdade por completo, que apesar de ser direito do rico desfrutar de sua abundância, não deve fazer com desperdício e luxúria, nem se esquecer do pobre de forma que este venha a padecer, conforme seu comentário de 2ª Coríntios 8.15:
O Senhor não nos prescreveu um ômer ou qualquer outra medida para o alimento que temos cada dia, mas ele nos recomendou a frugalidade e a temperança, e proibiu que o homem exceda por causa de sua abundância. Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou por conquista de sua própria indústria e labor, devem lembrar que o excedente não deve ser usado para intemperança ou luxúria, mas para aliviar as necessidades dos irmãos. Tudo o que possuímos é maná, seja de que fonte venha, desde que seja realmente nosso, já que as riquezas adquiridas por fraude ou por meios ilícitos não merecem o nome de maná, senão que, ao contrário, são codornizes enviadas por Deus em sua ira. E assim como o maná, que era acumulado como excesso de ganância ou falta de fé, ficava imediatamente putrificado, assim também não devemos alimentar dúvidas de que as riquezas que são acumuladas à expensa de nossos irmãos são malditas, e logo perecerão, e seu possuidor será arruinado juntamente com elas, de modo que não conseguimos imaginar que a forma de um rico crescer é fazendo provisões para um futuro distante e defraudando os nossos irmãos pobres daquela ajuda que a eles é devida. Reconheço, deveras, que não estamos limitados a uma igualdade tal que seria errado ao rico viver de forma mais elegante do que o pobre; mas deve haver uma igualdade tal que ninguém morra de fome e ninguém acumule sua abundância a expensas de outrem. O ômer do homem pobre será comida comum e uma dieta frugal, e a porção do homem rico será mais abundante, segundo suas circunstâncias; todavia, que seja de tal maneira que viva temperantemente e não prejudique a outrem. (CALVINO, 1995, 177-178)
Vemos que Calvino podia dizer isto com propriedade pois, não ficou na teoria; mas, possuía preocupação prática. Por fim, vejamos alguns dizeres de Halsema em seu livro João Calvino era assim, referindo-se a Calvino. “Até o papa em Roma sabia que Calvino era pobre e preferia permanecer pobre”. (1968, 156)
E ainda, Pio IV, sucessor de Paulo III, fez o seguinte comentário quando Calvino morreu:
‘A força daquele herege veio do fato de que o dinheiro para ele era nada’. Não se conhecia tal atitude dentro da Igreja de Roma [...] No ano seguinte o Pequeno Conselho aprovou a seguinte resolução: ‘Resolve-se presentear Calvino com toda a mobília pertencente à cidade que ora se encontra em sua casa. ’ Calvino estava agora comendo na sua própria mesa e dormindo na sua própria cama! (HALSEMA, 1968, 156-157).
Assim, pelas palavras e vida de Calvino, percebemos que nada supera a vida celestial, que aqui estamos apenas por um breve tempo, e que mesmo assim Deus nos concede a graça de vivermos bem, pois a verdadeira riqueza não esta em ter, mas sim em ser. Portanto o verdadeiro rico é aquele que sabe se contentar com o que tem.
BIBLIOGRAFIA
CALVINO, João. Exposição de 2ª. Corintios. São Paulo: Paracletos, 1995.
______. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998.
______. As Institutas. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006
COSTA, Hermisten Maia Pereira. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
HALSEMA, T. B. V. João Calvino Era Assim. São Paulo: Vida Evangélica, 1968.
Professor Mauricio de Castro e Souza é graduado em Economia, mestre em Ciências da Religião e professor do NEC - Núcleo de Ética e Cidadania do CEFT da Universidade Presbiteriana Mackenzie
