A captura regulatória e o caso JBS e BRF

Alvaro M. Oliveira, aluno do terceiro ano da graduação de ciências econômicas da UPM, reflete sobre os fatos trazidos à luz com a Operação Carne Fraca sob a perspectiva da teoria da captura regulatória

24.03.201706h00 Alvaro M. Oliveira

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A captura regulatória e o caso JBS e BRF

 

O BNDES trabalhou fortemente na sua política de ‘Campeãs Nacionais’, aos olhos mais incautos, o que aparentava ser apenas uma política de desenvolvimento dos setores empregatícios vem dia a dia se revelando mais do que somente um fracasso econômico às custas do contribuinte mas também um ataque direto ao consumidor.

 

O conceito de “captura regulatória” é associado ao economista, teorizador da Escolha Pública e ganhador do Prêmio Nobel George Stigler. A captura regulatória, ou captura do regulador, nada mais é do que uma forma de corrupção de instituições públicas para fins comerciais privados que geralmente se dá quando a parte privada se vale do poder de regulação e fiscalização do poder público para criar entraves à entrada de novos participantes no mercado, limitar a atuação de partes concorrentes ou como no caso aqui abordado inibir o poder fiscalizatório e obter privilégios financeiros.

 

Há não muito, o Banco Nacional do Desenvolvimento Social se baseou na ideia de que o estado brasileiro deveria fazer subsequentes aportes de infraestrutura, fusões e aquisições à determinadas empresas visando anaboliza-las e subsequentemente torna-las megaconglomerados nacionais, erro que vem se comprovando crasso à medida que suas consequências se desenrolam.

 

Não é difícil traçar ligações entre os vultosos aportes estatais com o financiamento de partidos influentes, como apontou o portal UOL(1):       

 

As empresas investigadas na operação Carne Fraca doaram R$ 393 milhões a políticos nas eleições gerais de 2014, a última em que os candidatos puderam ser apoiados oficialmente por pessoas jurídicas. A maior parte do montante foi destinada a diretórios de partidos. O PT foi a legenda mais beneficiada por essas doações, com R$ 60,7 milhões recebidos. O PMDB ficou logo atrás, com R$ 59,1 milhões, seguido pelo PSDB, com R$ 58,1 milhões. Ao todo, 25 siglas receberam doações dessas empresas via comitês em 2014. Estas doações somaram R$ 314 milhões. O dinheiro doado aos diretórios abasteceu campanhas em todo o país.

 

A relação entre as empresas de grande porte e o BNDES levantam dúvidas quanto às suas reais intenções de incentivo ao desenvolvimento nacional, o portal Spotniks ainda em 2015 questionou(2):

 

Após diversos anos atuando no mercado, o banco se tornou fonte de polêmicas, e não por acaso: só em 2014, 62% de seus desembolsos foram destinados a empresas de grande porte, o que põe em cheque o título de fomentador “do desenvolvimento” – não seria mais adequado “fomentador do corporativismo”?

 

Aproximadamente 7 anos atrás, o jornal Estado de São Paulo já mostrava o quanto a política estatal do BNDES preocupava os produtores de menor porte, já cientes de prévios esquemas de cartel e fortes correlações com o setor político(3):

 

Empresários do setor, que pedem anonimato por medo de contrariar o governo, questionam a escolha dos parceiros do BNDES. Cerca de três anos atrás, outro frigorífico importante, o Minerva, procurou o banco na tentativa de conseguir apoio para sua expansão. Saiu de mãos vazias. Enquanto isso, apoiado pelo banco estatal, o JBS tornou-se o maior produtor de carne processada do mundo.

 

Hoje, podemos dizer que de fato era uma preocupação válida frente ao fato de que a JBS sozinha doou 39,56% do seu lucro líquido de 2013 para campanhas políticas das eleições de 2014(IV), não esquecendo também que o STF homologou a delação premiada do senador Delcídio do Amaral na qual ele cita o esquema de obtenção de crédito envolvendo JBS, Marfrig e Bertin(V), revelando o teor duvidoso das reais intenções do BNDES.

 

A deflagração da operação Carne Fraca abre ainda mais um capítulo nos vastos exemplos de captura regulatória: segundo a Policia Federal, o esquema consistia no pagamento de propina para a liberação de produtos fora do prazo de validade. O sistema era tão escancarado, que um executivo da BRF possuía até mesmo o login e senha do sistema de processos administrativos do Ministério da Agricultura(VI).

 

As agências regulatórias se tornaram um verdadeiro balcão de negócios e segundo a Teoria da Escolha Pública, este é um processo quase inevitável em função do fato de que aqueles que são regulados comumente são demasiadamente poderosos. No caso brasileiro, o poder dos regulados foi dado pelo próprio governo através de sucessivos financiamentos com dinheiro público, e um mercado que outrora já fora muito mais descentralizado hoje gira em torno de dois impalatáveis conglomerados artificiais: JBS e BRF.

 

Quando o estado escolhe por nós o que é bom e o que é ruim, é isso que nos resta: má qualidade, pouco poder de ação e um autêntico papelão. A discricionariedade das agências reguladoras vem cada vez mais colocando a liberdade e até mesmo a nossa integridade em risco. O caso aqui citado provavelmente não será o último dos exemplos de captura do regulador, o que consequentemente nos deixa responsáveis pelo debate e reavaliação da atual perspectiva regulatória.

 

 REFERÊNCIAS:

 

(I)Disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/03/17/empresas-investigadas-na-carne-fraca-doaram-quase-r-400-milhoes-a-politicos.htm 

(II) Disponível em http://spotniks.com/empresas-que-mais-recebem-verba-do-bndes/

(III) Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,aposta-de-r-18-5-bilhoes-do-bndes-em-frigorificos-assusta-concorrentes-imp-,585696

(IV) Disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/01/28/doacoes-da-jbs-a-politicos-equivalem-a-185-de-emprestimos-com-bndes.htm  

(V) Disponível em http://exame.abril.com.br/mercados/frigorificos-citados-por-delcidio-desabam-ate-9-na-bolsa/ 

(VI) Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/03/1867309-pf-faz-operacao-contra-frigorificos-e-cumpre-quase-40-prisoes.shtml