O que é que Roraima tem?

O misterioso caso do estado que se sai bem no Doing Business Brasil e também no Índice Mackenzie de Liberdade Econômica Estadual.

15.07.202115h21 Claudio D. Shikida

Compartilhe nas Redes Sociais

O que é que Roraima tem?

Roraima? Acho que já ouvi falar… - Roraima é o estado com a menor população do Brasil. Localizado na região norte do país, faz fronteira com a Venezuela e a Guiana (a antiga Guiana Inglesa). É um dos ‘novos’ estados brasileiros. Já no século 20, em 1943, começou como um território e foi transformado em estado no ano de 1988. Ainda segundo nossa fonte (a Wikipedia em língua anglo-saxã), o IDH do estado de 2017 o colocava na 12a posição dentre os 26 estados brasileiros. É também o estado com o menor PIB no país. Finalmente, não, nunca tive o prazer de visitar Roraima. Sequer conheço um roraimense. Pelo menos, não que eu me recorde (e já me desculpo com um ou dois conhecidos que, porventura, eu tenha esquecido) …

Doing Business? Let’s go Roraima! - Em 2021, o relatório Doing Business foi feito para o nível subnacional brasileiro, pela primeira vez incluindo todos os estados. A bem da verdade, os dados (coletados em 2020) dizem respeito às capitais dos estados e ao distrito federal.

Roraima aparece em 3o lugar no ranking, logo após São Paulo e Minas Gerais. Aliás, Roraima (ou melhor, Boa Vista) tem um ótimo desempenho em um dos componentes do índice: licença para construção. Leva-se 179.5 dias para se obter a licença o que, diz o relatório, é menos do que nos Países Baixos. Além disto, tem o melhor valor no indicador de registro de propriedades (1.9% do valor da propriedade). Há outros indicadores,

Uma variável interessante do relatório é o Quality of judicial processes index (que varia entre 0 e 18 pontos). A média da OCDE é 11.8 e a do Brasil, 12.1. Roraima, neste quesito, tem 12.5 pontos e, curiosamente, todos os estados, exceto o Espírito Santo, receberam notas 11.5 ou 12.5, o que nos dá uma ideia de uma curiosa baixa variabilidade do índice entre os estados. Curiosa porque já vi estudos mostrando uma grande variabilidade em proxies de eficiência dos judiciários estaduais, mas, claro, são indicadores construídos sob metodologias distintas. Ah sim, Espírito Santo se saiu bem mal: 9.5.

Voltando ao tema e resumindo o que vimos até aqui: Roraima, representada por Boa Vista, com dados de 2020, está em 3o lugar no ranking, principalmente por seu desempenho em indicadores ligados à construção.

Liberdade ainda que tardia - O Índice Mackenzie de Liberdade Econômica Estadual (IMLEE) é uma excelente iniciativa do Centro de Mackenzie de Liberdade Econômica usando a metodologia do Fraser Institute, do Canadá, que, na minha opinião, tem o índice mais consistente de liberdade econômica entre países.

Conforme esta metodologia, o índice é sempre construído com base em dados coletados dois anos antes. Assim, a última edição, a de 2020, diz respeito a dados de 2018.

Diferentemente do Doing Business, os dados são relativos às unidades federativas (estados, considerando todos seus municípios, não apenas capitais). Exclui-se o Distrito Federal da amostra.

O IMLEE tem três dimensões (com sub-dimensões). Basicamente tem-se: (1) gasto público, (2) tributação e (3) mercado de trabalho. A soma ponderada (as ponderações são idênticas) destas três variáveis dá o valor do IMLEE.

O IMLEE não é publicado com um relatório extenso, como é o caso do Doing Business, mas as informações sobre ele podem ser encontradas aqui. Uma explicação detalhada da metodologia está neste artigo.

Pois bem, Roraima, novamente, aparece bem neste indicador. Na edição de 2020, é a unidade federativa mais livre do Brasil (é, o primeiríssimo!). Por que? Bem, nosso astro especialmente convidado, o prof. Vladimir Maciel, que é um dos responsáveis pelo IMLEE deu sua opinião:

De acordo com o Índice Mackenzie de Liberdade Econômica 2020 (dados de 2018), Roraima ocupou a primeira posição do ranking das unidades federativas, com nota 8,92, ficando à frente de São Paulo e Espírito Santo – segundo e terceiros lugares respectivamente. Essa posição foi obtida pelo desempenho da UF em três áreas: gasto público, tributação e mercado de trabalho. Com relação ao gasto público, Roraima ficou em primeiro lugar referente à média dos quesitos de consumo dos governos locais, transferências e subsídios e despesas com previdências e pensões. Em Tributação, a UF também foi primeira colocada na média dos quesitos de impostos sobre renda, impostos sobre a propriedade e tributos indiretos sobre consumo e produção. Já em relação ao mercado de trabalho, Roraima obteve a sétima posição por meio da média dos itens legislação de salário-mínimo, emprego no setor público e densidade sindical.

Em resumo, Roraima foi muito bem nas duas primeiras dimensões e ficou entre os dez primeiros na terceira. Em termos da composição do índice, já sabemos o que aconteceu. Mas a pergunta persiste.

O que é que Roraima tem? - Conheço alguns liberais brasileiros, mas nunca ouvi falar de algum lá de Roraima. Também nunca estudei a história da liberdade por lá e nada sei da política local. Vi que Roraima teve bom desempenho econômico em 2018, ano-base da edição de 2020 do IMLEE e que recebe o maior FPE (Fundo de Participação dos Estados) per capita (voltarei a isto adiante). Voltemos às explicações de nosso convidado.

Esse desempenho parece extraordinário e contraintuitivo, afinal de contas faria mais sentido UF como São Paulo, Espírito Santo ou Santa Catarina estarem à frente de Roraima. Todavia, casos semelhantes são recorrentes ao longo da série histórica 2003-2018. Antigos territórios (que eram administrados pelo governo federal até a Constituição de 1988) têm peculiaridades que geram esses tipos de resultados. Em geral, a estrutura da despesa pública, por serem unidades relativamente novas, não são tão afetadas por vinculações de gasto, regimes próprios de previdência e compromissos financeiros que oneram as contas públicas de UF “mais velhas”. Além disso, são menos populosos e possuem menor número de municipalidades – a despeito da área territorial (o que impacta sobremaneira nas despesas públicas municipais – que o diga Minas Gerais que tem mais de 800 municípios). Além disso, por conta da própria situação econômico-financeira, apesar de não serem ricos, a tributação “pesa menos” no bolso dos cidadãos. Acabam, por seu turno, perdendo desempenho no mercado de trabalho, pois em geral são UF com peso maior do setor público no emprego e renda per capita menos compatível com a imposição do salário-mínimo.

Em termos dos componentes do IMLEE em si, creio que já temos algumas boas pistas sobre os motivos de Roraima estar no topo do ranking.

Mais alguns pensamentos - Voltando ao Doing Business, pode ser que o reduzido contingente populacional de Boa Vista seja um fator importante para explicar o resultado de Roraima, já que não seria tão caro fornecer bens públicos para a população local (ignoro, irresponsavelmente, diversas complicações do federalismo fiscal, mas a ideia é especular livremente mesmo, brainstorm).

Ah sim, já que falei do federalismo, um amigo me provocou, afirmando que o bom resultado de Roraima poderia ser causado pelo fato de do FPE per capita por lá ser elevado.

Por curiosidade, com dados de 2018, verifiquei a correlação entre o FPE per capita e os valores do IMLEE para as unidades federativas. O resultado? A correlação é bem baixa embora Roraima, de fato, esteja no topo de ambas (apresenta os maiores valores em ambas as variáveis).

Bem, sobre o ‘mistério’ de Roraima, era o que eu tinha preparado para hoje.

Ah, pois é… - Para deixar as coisas mais complicadas, Boa Vista aparece como a 19a colocada na edição de 2020 do Índice de Cidades Empreendedoras (a amostra utilizada, neste caso, foram os 100 municípios com maior população do país). Já no ranking de competitividade dos municípios do CLP, Boa Vista é a 241a colocada em uma amostra de 405 municípios.

Seca - Já imaginou o trabalho remoto com apagões? A propósito, preciso seguir na leitura do Curto-Circuito, de Rockmann e Mattos (incrível os dois autores terem sobrenomes com consoantes repetidas…) que ganhei de aniversário.

Sumô - Bizarra a luta entre Tobizaru e o (sempre favorito) Hakuhou no sétimo dia desta temporada de Nagoya. Com a trilha sonora adequada, aqui.

Espero que tenha gostado. Até a próxima!

Fonte: https://cdshikida.substack.com/p/o-que-e-que-roraima-tem