O mundo de Jimmy

06.04.201722h00 Professor Doutor André Santoro, Jornalismo

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O mundo de Jimmy

Em setembro de 1980, muito antes do surgimento da internet comercial (e de toda a discussão atual sobre a "pós-verdade"), o jornal norte-americano "The Washington Post" publicou uma reportagem belíssima e comovente sobre Jimmy, um menino de 8 anos viciado em heroína.

O texto, disponível no site do jornal (https://migre.me/wlT81), saiu das mãos da repórter Janet Cooke, atualmente com 62 anos (à época da publicação, ela era uma jovem jornalista de 26 anos). Em tradução livre para o português, a história começa assim: "Jimmy tem 8 anos de idade e é um viciado em heroína de terceira geração, um rapazinho precoce com cabelos castanho-claros, olhos castanhos aveludados e marcas de agulhas pontilhando a pele lisa de seus finos braços morenos".

A cobertura de Cooke rendeu a ela o prêmio Pulitzer, uma das maiores honrarias do jornalismo mundial. Mas o que deveria ter sido uma denúncia sobre o abandono de comunidades periféricas nos Estados Unidos logo revelou-se uma farsa. Jimmy, na verdade, nunca tinha existido. E a repórter teve que devolver o prêmio. O episódio manchou temporariamente a reputação do jornal -- que se viu obrigado a admitir publicamente o erro. E entrou para a história como uma das maiores fraudes jornalísticas da história do Ocidente.

Em artigo publicado em 1981, o escritor (e jornalista) Gabriel García Márquez escreveu: "É surpreendente que um jornalismo com fundamentos morais tão drásticos seja também capaz de chegar a extremos inconcebíveis de manipulação e falsidade". As palavras do Prêmio Nobel de Literatura, morto em 2014, foram escritas há quase quatro décadas. Mas parecem atuais. E servem de alerta nos tempos atuais, em que a difusão de informações inverídicas ganhou fôlego graças à internet.