A recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aumentar tarifas de importação, iniciou uma nova guerra comercial global. O Brasil, embora tenha sido taxado em 10% (tarifa mais baixa praticada por Trump), já sente os reflexos econômicos e geopolíticos da decisão. A medida do governante norte-americano é parte de uma estratégia mais ampla de reindustrialização do país e proteção de empregos nacionais, mas pode trazer consequências profundas para os países em desenvolvimento.
A professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Márcia Detoni, especialista em geopolítica, explica que a iniciativa de Trump representa uma ruptura com a tradição liberal da economia norte-americana desde os anos 1980. O presidente enxerga a globalização como uma das causas da desindustrialização dos EUA e aposta em tarifas como forma de fortalecer a indústria nacional.
“A promessa de Trump é tornar a América grande de novo, revertendo esse processo de globalização, agradando trabalhadores descontentes com o empobrecimento causado pela globalização e setores industriais enfraquecidos pela concorrência, que financiaram a campanha trumpista”, aponta Detoni.
Do ponto de vista econômico, os efeitos do tarifaço são variados. As novas tarifas acirram a disputa com a China e distanciam os EUA da União Europeia e do Reino Unido. Com isso, há uma reconfiguração de alianças econômicas e comerciais no mundo.
O Brasil não está entre os mais prejudicados por esses aumentos. O agronegócio pode ser beneficiado em produtos como soja e café, ganhando competitividade frente aos americanos, cujos custos aumentaram com as novas tarifas. Com isso, o tarifaço tende a ampliar as trocas brasileiras com a China, como o aumento das vendas de commodities.
Entretanto há também alertas. Um dos riscos apontados é o desvio de produtos chineses do mercado americano para países como o Brasil, o que pode prejudicar a indústria nacional. Nesse sentido, o governo brasileiro já discute medidas de proteção para evitar uma possível "invasão" de produtos importados.
Apesar disso, os Estados Unidos continuam sendo o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.
O Brasil tende a reforçar laços com o bloco dos BRICS (grupo formado por países como China, Índia, Rússia e África do Sul) como forma de ampliar sua presença em mercados alternativos. “As posições de Trump contra o multilateralismo levam a um fortalecimento dos BRICS e à necessidade de uma aproximação com a União Europeia. Mas os EUA são um parceiro histórico do Brasil e o segundo maior comprador. A diplomacia brasileira age de modo a manter os laços culturais, políticos e econômicos”, explica Márcia Detoni.
Além das tarifas, a política monetária americana também afeta o Brasil. Com os EUA oferecendo juros elevados, investidores estrangeiros tendem a retirar recursos de mercados emergentes (como o brasileiro) para aplicar em ativos americanos mais seguros. Essa fuga de capitais pressiona o câmbio, eleva a inflação e pode forçar o Banco Central a manter os juros altos no Brasil.
Para o professor de Economia da UPM, Matheus Albergaria, o efeito disso é duplo: “Por um lado, reduz o consumo das famílias e o investimento das empresas, em nível doméstico. Por outro, acaba por atrair capitais estrangeiros para o país, em nível internacional”.
No entanto, ele alerta que essa atratividade tem um custo. Com menos investimentos produtivos, o crescimento da economia nacional pode ser comprometido no longo prazo.
O tarifaço de Trump abre um novo capítulo nas relações comerciais globais. Para o Brasil, o momento exige cautela e estratégia. Há oportunidades reais para o agronegócio e as exportações, mas também ameaças à indústria e à estabilidade macroeconômica.