Mirtes de Moraes: mulher protagonista da sua própria história

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Conheça a professora, historiadora, pesquisadora e mãe

09.03.2020 Atualidades


“Eu sou muito objetiva. As pessoas se assustam um pouco, mas eu descobri que quando somos objetivos e falamos, tiramos um peso. Você esclarece as coisas. Eu sou muito verdadeira! Acredito que essa seja a palavra que me define!”, diz Mirtes de Moraes, historiadora e professora do Centro de Comunicação e Letras (CCL) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), durante sua entrevista, realizada em uma tarde fresca no bosque do campus Higienópolis quando a professora, conhecida pelas suas aulas de História da Arte e da Cultura, ministradas no curso de Jornalismo, contou um pouco de sua história. 

Assim como grande parte dos jovens, ela também teve suas dúvidas ao escolher a profissão que exerceria no futuro. Inicialmente, ficou dividida entre Direito e História, optando pela segunda. E foi mais para o fim da graduação que se encontrou, nas disciplinas mais contemporâneas. 

Para fazer a faculdade, precisou do crédito educativo. “Na época, eu tinha um fusca. Eu falei para eles ‘olha, o que eu tenho é meu fusca’ (risos). Logo eles responderam ‘a gente não aceita seu fusca”. Apesar das dificuldades, Mirtes conta que “foi na Universidade que comecei a despertar meu olhar sobre as questões do feminino, acredito que por conta de toda a diversidade. Comecei a pensar mais no mundo em que a gente vive. Foi tipo um estalar de dedos, entendi que a vida podia ser outra coisa. Ela pode ser o que você quiser”.

Depois, ficou grávida e teve seus dois filhos durante o período em que fazia mestrado. Laura e Lucas. Mesmo com olhares “tortos” e comentários preconceituosos, não estacionou nem por um instante sua vida acadêmica.

Mirtes continua estudando, hoje está finalizando seu pós-doutorado na área de comunicação. Para ela, o caminho acadêmico, da pesquisa e da docência, deram a ela um espaço para colocar sua voz.

“As coisas reverberam, ecoam. A minha personalidade foi se construindo dentro disso tudo, nas coisas que hoje eu valorizo e que passo adiante, dentro da fala do que é ser mulher e de nossas escolhas”.

Maternidade real 

Quando engravidou pela segunda vez, Mirtes não havia planejado, embora tenha sido uma boa surpresa. Quando Lucas nasceu, ela e seu marido logo perceberam que ele era diferente, que era especial. “O Lucas não falava e era super agitado. Todos falavam na família ‘menina é diferente’. E eu pensava, será que as meninas são tão diferentes assim? Foi aí que fomos a médicos relacionados à hiperatividade e começamos a tentar entender essa característica do Lucas. Um especialista deu um remédio que, se fizesse efeito, o problema dele seria hiperatividade, mas não fez. Ele continuou a mil”. 

A descoberta que seu filho possuía o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi complicada. Mirtes conta que Lucas estudou em várias escolas porque os colegas não entendiam e não aceitavam, ele era vítima de bullying. A situação se agravou quando seu marido entrou em processo de depressão e parou de trabalhar, na mesma época em que Mirtes fazia doutorado. 

Quando Lucas completou sete anos, foi que a ficha realmente caiu. Até então, Mirtes achava que a situação de seu filho era uma questão de tempo, que era algo que passaria. Lucas então começou a frequentar uma escola especial, que saberia cuidar melhor dos sintomas do TEA. “Eu chorava, porque eu pensava que não queria aquilo da minha vida. Você tem nitidez da deficiência, mas você não pensa que é eterno. Entender que é ‘para sempre’ foi difícil. É lindo, é humano, mas é difícil. Eu tive de aprender”. 

Ao mesmo tempo em que muitas mudanças aconteciam, Mirtes continuou com sua carreira, o que gerou comentários maldosos. “Me colocaram muita culpa. Diziam ‘seu filho é especial’ e você trabalha à noite? Que mãe é essa?’”, lembra ela. Além de ter que administrar os problemas pessoais, a historiadora comentou que esse foi um momento de sua vida em que precisou ter autoestima para valorizar seu trabalho, não só financeira, mas também educacionalmente. 

Quando vai viajar com sua filha Laura, como faz todos os anos, Mirtes relata que muitas pessoas acham surpreendente o fato dela deixar Lucas com o marido. “Isso é engraçado, porque se é a mãe, ela tem obrigação, mas se é o pai, falam que é maravilhoso”. Segundo a professora, essa é uma das questões que o feminismo traz para o contexto atual dos relacionamentos.

“A mulher sempre fica reticente. Então é um processo de desnaturalizar essas relações. O lar não é só da mulher. É dos dois. A família pode dividir as tarefas”, afirma. 

Inspirações 

Mesmo sendo a que ensina, Mirtes conta que aprende diariamente, seja com seus alunos, com a vida ou com figuras femininas. “As minhas irmãs são mulheres que me inspiram. Elas me ensinaram de formas muito diferentes, a partir do que elas são: empoderadas, corajosas, independentes, intelectuais e destemidas! E minha mãe, com seu jeito doce”, conta ela, sorrindo. 

“Tive também minha orientadora do mestrado e doutorado, a Maria Izilda, uma pessoa muito interessante que me levou a pensar todas as questões do feminino”, disse. 

Para Mirtes, ser mulher significa “saber do seu papel e ter essa consciência. Não é fácil”. Além disso, a professora explica que é necessário incluir os homens na discussão para que eles entendam que existe uma cultura patriarcal enraizada e naturalizada dentro da sociedade, que impede que as mulheres estejam em igualdade - tema defendido pelo feminismo. Dessa forma, o empoderamento se configura como dar poder e relevância a relações antes solapadas.

“As mulheres sempre estiveram às margens. E não temos de estar. Precisamos estar nos mesmos espaços e compartilhando das mesmas questões! O feminismo é equidade, dar sentido às relações de forma equilibrada. Não significa ser um melhor que o outro”, finaliza a historiadora.