Liberdade Responsável

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Carta de Princípios 2004

20.02.2004 Chancelaria

Rev. Ms. Saulo Marcos de Almeida e Rev. Ms. Eldman Francklin Eler


A Carta de Princípios, dirigida anualmente à Universidade pela Chancelaria, aborda temas relevantes à comunidade acadêmica sob o prisma da ética e da fé cristã reformada. As Cartas anteriores abordaram a Ética (2000), Ética e Justiça (2001), Cosmovisão Calvinista (2002) e Liberdade (2003). A Carta de 2004 trata outra vez de liberdade, .só que vista do seu contraponto, a responsabilidade.

A relevância do assunto ficará evidente na leitura do texto elaborado pela Capelania Universitária. Os capelães analisam a tensão entre Liberdade e Responsabilidade tendo como referencial o encontro de Deus com o homem, e deste com seu próximo e consigo mesmo.

A Carta de Princípios é elaborada levando-se em conta a orientação e diretrizes do associado vitalício, a Igreja Presbiteriana do Brasil. Ela é publicada na expectativa de que venha servir de reflexão mais aprofundada por parte de nossa comunidade sobre questões cruciais da vida. É nesse intuito que a apresento.
 

Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes 
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

Liberdade - A Coragem de Ser

"Tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é santo, tudo o que é amável, 
tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, se há algum louvor de costumes, 
isto seja o que ocupe os vossos pensamentos". 
Filipenses 4:8

 

Liberdade X Autonomia - Enfrentando os Novos Tempos

Um dos debates mais pertinentes de nossa época trata da relação existente entre a liberdade e os resultados desta nas escolhas e decisões feitas ao longo do desenvolvimento humano. A questão se torna relevante na medida em que se reforçam os deveres da humanidade e os deveres e responsabilidades de cada um de nós.

Esse diálogo se instala num momento de inquietação reinante em nossos dias em razão da aparente autonomia adquirida pelo homem, para fazer o que lhe convém. Na prática essa concepção transformou-se em ausência de limites e a conseqüente perda de valores básicos da vida humana. 

O objetivo do texto é estabelecer claramente os princípios dentre os quais o ser humano possa viver a sua liberdade na compreensão de que o homem não é nem nunca será autônomo. Somos dependentes de Deus no sentido vertical e, interdependente dos homens no sentido horizontal.

Procura também contrariar a idéia contemporânea de que a liberdade acontece de forma isolada, fora da realidade social, prescindindo de um processo que deve necessariamente se orientar pelo amor ao próximo, na busca do bem comum.

Diante de novos desafios e oportunidades que a sociedade pós-moderna nos impõe, não se pretende num contexto de mudanças e transformações, apenas a criação de uma linguagem a mais referente ao tema, mas também uma compreensão a respeito da liberdade que indique positivamente as relações do ser humano com Deus, com o próximo e consigo mesmo.
 

Liberdade: Encontro de Deus com o Homem

Não se prescinde, quando o homem é visto como um ser de relação, do referencial cristão acerca da abordagem aqui elencada. Conforme o ponto de vista da fé reformada, a liberdade não é simplesmente um direito a ser adquirido, precisando para a sua concretização de leis e normas. Isso seria legalismo. Trata-se de uma vocação divina para ser vivida ao longo da vida em toda a sua potencialidade, numa dinâmica constante de transformação libertadora.

Nesse sentido, não se tem uma liberdade como imposição naturalista, nem como ingênua submissão a um destino inexorável, mas como dádiva da graça de Deus na criação e redenção do ser humano. Por conta disso, é que se recebe a realidade por opção e não por cega necessidade, em que a aceitação dos limites não precisa ser uma rendição, mas pode e deve ser um ato livre e criativo também.

Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão". Gálatas 5.1.

A gratuidade divina quer nos tornar livres para uma vida plena a partir do que nos foi doado. Por isso, o cristianismo acredita que a humanidade possui e luta por manter a marca da liberdade.

O homem criado para agir afirmativamente no mundo saberá construtivamente dizer um sonoro sim para as realizações positivas. Liberdade, desta forma, não se encontra na ilusão do "posso tudo", nem no conformismo do "nada posso", mas na construção de uma sociedade baseada numa genuína obediência ao chamado de Deus e respeito à pessoa humana.


Liberdade: Encontro com o Próximo

É impossível a liberdade fora da comunidade dos homens, pois o ser humano não é uma ilha. Não nasce pronto, acabado. Ele assume a sua humanidade no contato que tem com o outro e com a cultura, que o situam no tempo e no espaço. Ao tomar consciência desse processo, percebe-se o fato de não possuir apenas condicionamentos biológicos mas também históricos, que devem levá-lo à busca de uma liberdade responsável e comprometida. 

O mundo competitivo nos ensina a ver o outro como uma grande ameaça. Assim, desejamos ultrapassar nosso vizinho, alcançar sempre as melhores notas da classe, ascender profissionalmente sem considerar os meios, obter sucesso financeiro etc. Isso tudo bloqueia a nossa liberdade de amor ao próximo. Talvez aqui se compreenda a razão da violência urbana em forma de ódio e ressentimento entre aqueles que renunciaram a verdadeira liberdade. 

A liberdade pretendida quer encontrar nas relações humanas um apoio constante para viver as alegrias e agonias da vida. Não basta a consideração baseada em nossa tradição e cultura passadas, repetida cotidianamente: "o mundo perdeu os valores". Isso também é verdade, mas trata-se de uma visão reducionista porque lida apenas a partir de nosso enfoque individual. Não seria o caso de admitir que o problema não é somente a perda dos valores passados, mas a impaciência de identificar valores sob novos paradigmas que não dizem mais respeito ao nosso mundo? O desafio é grande e não é uma discussão apenas religiosa, mas atinge a todos, educadores e educandos. 

A liberdade deve ser vivida no convívio dessa comunidade, não no empreendimento isolado, mas em direção ao próximo, a partir do reconhecimento de que estamos interligados para uma atitude de solidariedade ativa. Liberdade na companhia do outro. Livre para amar, liberto para servir e fazer o bem. A liberdade só se mantém como tal quando deixamos de ser egoístas e passamos a ser livres para servir ao próximo.
 

Liberdade: Encontro Consigo Mesmo

É de fundamental importância a compreensão de que a liberdade se constrói no contato com o mundo possibilitando ao homem o desenvolvimento de uma consciência aberta e transformadora.

Uma das características da liberdade na história humana está em que, diferentemente de outros animais, há no ser humano uma capacidade de avaliar o mundo e a si mesmo. Todavia, isto não nos deve levar ao reconhecimento do homem como referencial último da vida. Embora multicapacitado sabe-se de suas limitações e contingências. 

Do ponto de vista do cristianismo, essa consciência não é inata, mas nasce como resultado de uma ética que pressupõe uma revelação direcionada à subjetividade humana e ao seu lócus propiciando ao ser humano um sentido maior na vida o que lhe garante real libertação. 

"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". João 8:32.

Essa linguagem cristã com desdobramentos concretos no cotidiano cria uma intencionalidade responsável na natureza humana, que não é suprimida nem tampouco negada, mas inserida no projeto de construção do Reino de Deus, onde não basta dizer que a liberdade abre caminho na história em direção ao futuro, mas vive a esperança que emerge realmente quando somos capazes de observar como a liberdade se movimenta ao longo da travessia da vida.

Daí a consciência aberta aos propósitos divinos que nos dota de uma existência não domesticada, mas livre para suportar as situações limites da vida, desfrutar das benesses legítimas da criação e, efetivamente, criar possibilidades de não apenas fazer o bem, mas também o poder de realizá-lo. Assim, a liberdade se apresenta novamente como dádiva livremente recebida pelo ser humano para o serviço a Deus e ao próximo.

Nesse sentido, entendemos a liberdade como uma construção essencial da vida a partir de um relacionamento amoroso com o Criador, através da obra redentora de Cristo, em que o acaso não pode nos proteger, nem o direcionamento humano nos libertar. O referencial maior, então, revela-se nas palavras de Cristo, nosso único libertador: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento" e "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Mateus 22:37,39.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie reafirma o compromisso com a formação ética que deve proporcionar ao educando em ambiente de fé cristã-evangélica reformada. Colabora na formação de cidadãos autonomamente críticos que tenham na liberdade gratuita de Deus o único caminho para a vida. Reitera a sua fé e esperança no Deus da história, cujos ensinamentos deixados tornam impossível conciliar a verdadeira liberdade com independência do Criador, exploração ao próximo e desrespeito à própria vida. 
 

Rev. Ms. Saulo Marcos de Almeida 
Rev. Ms. Eldman Francklin Eler
Capelães da Universidade Presbiteriana Mackenzie