O Prêmio Nobel de Química, de 2025, foi concedido aos pesquisadores responsáveis pelos avanços no estudo das estruturas metal-orgânicas (MOFs), materiais inovadores capazes de capturar gases, purificar água e armazenar energia. Os cientistas Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar M. Yaghi foram reconhecidos pela descoberta. A decisão da Academia Real Sueca de Ciências reflete uma mudança de foco da ciência fundamental para soluções globais de sustentabilidade, uma tendência que, na avaliação do professor Everton Bonturim, do curso de Química e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais e Nanotecnologia (PPGEMN) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), é coerente com o impacto científico e tecnológico que essas estruturas vêm exercendo nas últimas duas décadas.
Formado em Química, com mestrado e doutorado na área de Materiais e Nanotecnologia, Bonturim desenvolveu todo o seu projeto de doutorado na University of California – Berkeley, mesma instituição de um dos laureados, o professor Omar M. Yaghi. Ele destaca que os MOFs transformaram o modo como a ciência projeta, por via química, os materiais sólidos, ao unir de forma elegante a química inorgânica e a orgânica.
Segundo o docente, essas estruturas tridimensionais são altamente ordenadas, porosas e ajustáveis em nível atômico, o que permite a construção de sólidos cristalinos sob medida, com poros dimensionados, áreas superficiais que ultrapassam 7.000 m²/g e funcionalidades químicas específicas. Para ele, o prêmio reconhece justamente essa capacidade de manipular a matéria e de desenvolver materiais com aplicações tecnológicas em áreas como captura de CO₂, catálise verde, sensores e até medicina avançada.
Os MOFs são descritos por Bonturim como verdadeiros “andaimes moleculares” ou “gaiolas moleculares”, compostos por íons metálicos e ligantes orgânicos que formam redes cristalinas com cavidades e canais tridimensionais. O caráter revolucionário desses sistemas está na modularidade, a possibilidade de escolher o metal, o ligante e até a topologia desejada, controlando as propriedades de superfície, a reatividade e a seletividade do material. De acordo com o Everton, essa precisão estrutural marca a transição de uma abordagem empírica para um design intencional de novos materiais funcionais.
Hoje, já é possível sintetizar MOFs com sítios ativos específicos para capturar moléculas de CO₂, catalisar reações químicas, detectar contaminantes ou liberar fármacos de forma controlada. Além disso, muitos desses materiais apresentam propriedades ópticas, elétricas e magnéticas ajustáveis, o que os coloca na fronteira de aplicações emergentes, como a eletrônica molecular, o armazenamento de energia e a nanomedicina.
Essas características fazem dos MOFs um dos pilares da chamada “química sustentável de precisão”. Estudos recentes apontam sua capacidade ímpar de capturar e transformar CO₂ de forma eficiente, combinando sítios metálicos abertos e grupos funcionais que interagem fortemente com moléculas do gás, permitindo seu sequestro e conversão catalítica em combustíveis ou produtos químicos de alto valor agregado.
Para Bonturim, os MOFs também se destacam no tratamento de água e ar, funcionando como filtros seletivos para metais pesados, gases tóxicos e compostos orgânicos voláteis. Ele ressalta que essas aplicações oferecem uma solução integrada para a captura de poluentes, catalisando sua transformação e permitindo a regeneração do material com baixo gasto energético, um ciclo de produção alinhado aos princípios da economia circular e da neutralidade de carbono.
Ao refletir sobre o significado mais amplo do Nobel deste ano, o professor avalia que a escolha exemplifica uma tendência crescente de valorizar pesquisas com impacto prático e sustentável. Em sua visão, a química ocupa um papel de relevância global na crise climática e energética, pois é a ciência que fornece as ferramentas essenciais para a transição a uma economia de baixo carbono. Ele destaca exemplos como o desenvolvimento de catalisadores eficientes para a eletrólise da água e de materiais avançados para o armazenamento de energia, além de pesquisas que mostram a atuação dos MOFs na mitigação das emissões de CO₂ e na produção de hidrogênio verde via fotocatálise ou termocatálise, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis.
Apesar do avanço científico, Bonturim observa que ainda há desafios a serem superados, como a ampliação da produção em larga escala, o chamado scale-up industrial. A transformação dos MOFs de um conceito provado em laboratório para um protótipo industrial exige colaboração interdisciplinar entre químicos e engenheiros. Segundo ele, avanços recentes, como os MOFs à base de zircônio desenvolvidos por Yaghi, indicam um caminho promissor para a produção em grandes quantidades, sem perder estabilidade ou eficiência.
Na avaliação do professor, mais do que uma inovação de laboratório, os MOFs representam uma mudança de paradigma, a passagem de uma química extrativa, baseada no consumo de recursos, para uma química restaurativa, que busca equilíbrio entre eficiência e sustentabilidade. “A química, para além do tema do Prêmio Nobel deste ano, não é apenas um pequeno detalhe na luta contra a crise climática, ela é a base para um futuro resiliente. Investir em pesquisa em Química, Nanotecnologia e Ciência dos Materiais significa ampliar o escopo de oportunidades em inovação, redefinindo o que será importante para as próximas gerações”, conclui Bonturim.






