Cultura

Ricardo Viveiros, um jornalista “estranho”

Conheça a trajetória do jornalista, professor, escritor e empreendedor mackenzista que completa 55 anos de carreira

18.03.202109h00 Comunicação - Marketing Mackenzie

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Ricardo Viveiros, um jornalista “estranho”

“Tenha paixão pelo que faz. Saiba que aquele desafio é o que te valoriza e te engrandece”. Essas são as dicas de ouro de Ricardo Viveiros, jornalista, escritor, professor e empreendedor mackenzista que completa 55 anos de carreira em 2021. Ele, que possui 49 livros publicados, lecionou por 25 anos em cursos de graduação e pós-graduação, e acumula passagens por grandes veículos de comunicação do país – como repórter, âncora e articulista – é também quem dirige, desde 1987, a Ricardo Viveiros & Associados (RV&A) – Oficina de Comunicação.

Ricardo é doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), bem como conselheiro da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE).

Nascido na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a família de sua mãe era de Petrópolis, enquanto a do pai de Teresópolis, ambas no estado fluminense. Como Ricardo mesmo lembra, são cidades históricas e isso contribuiu muito para sua formação. Falando com carinho dos pais, ele elege a oportunidade de conviver de perto com eventos culturais e o acesso à boa educação como elementos chave para sua carreira e sua vida. “Lamentavelmente, em nossa história brasileira, isso é um privilégio”, acrescenta.

Em sua jornada, recebeu também diversos prêmios, como a medalha da Organização das Nações Unidas (ONU) por uma série de matérias sobre Direitos Humanos, no Ano Internacional da Paz (1986); e o Prêmio Esso de Jornalismo (em equipe); entre outros.

Para saber um pouco mais desta personalidade que mistura sua própria história com a da imprensa, do Brasil e do mundo, acompanhe a entrevista na qual Viveiros conta por que empreendeu, o que entende como sucesso e como foi chamado de jornalista “estranho”.

Aos 71 anos de idade, que completa neste dia 18 de março, sua resposta para o futuro é clara e objetiva, “quero seguir produzindo muito e tendo gente como matéria-prima”. Veja a seguir:

Você iniciou sua carreira aos 14 anos, no jornalismo, mas acumula experiência em muitas áreas e veículos. Acho que a primeira pergunta seria: onde arrumou tempo para tudo isso?

RV: Foi uma mistura de necessidade e de questões trabalhistas (risos). Antes, o jornalista podia trabalhar apenas cinco horas por dia, com um máximo de duas horas extras diárias e, se não me engano, podia se aposentar depois de 25 anos de atividade. Assim, por vontade, necessidade – pois casei muito cedo – e encantamento, trabalhava cinco horas diárias em três veículos diferentes. Além disso, sempre atuei como freelancer também, os famosos “bicos”, então foi natural acumular muita bagagem.

Você foi âncora, articulista, repórter especial. A que atribui a escalada na carreira e essa facilidade em transitar por várias áreas?

RV: Grande parte de nossa carreira ocorre por circunstâncias. No meu caso, fiz muita coisa, mas percebi que o grande desafio, o que me motivava, era escrever no jornalismo. Queria ser e morrer repórter.

No entanto, quando a gente faz algo com paixão, disciplina e qualidade, naturalmente surgem novos desafios e convites, e foi assim que passei de repórter de rua para especial e fui galgando esses passos.

Quanto à diversidade, em primeiro lugar, o que me facilitou a jornada foi a boa base. Meus pais davam muito valor à cultura e à educação e convivíamos com professores, artistas, grandes nomes da cultura brasileira. Realizávamos saraus em casa, visitávamos galerias de arte, teatros, exposições, bibliotecas, enfim. Lamentavelmente, isso é um privilégio aqui, mas todos deveriam ter esse tipo de acesso.

Antes dessas visitas, ou mesmo de viagens, meu pai nos preparava uma apresentação, contando curiosidades e parte da história daquilo que iríamos ver, isso também despertou em mim um forte senso de contexto, pesquisa e interesse, de sair da superficialidade. Carreguei isso comigo no trabalho e no estudo, sendo um bom aluno, gostando de leitura, redação, oratória e isso me facilitou muito nesta profissão.

Em 2021, você completa 55 anos de carreira, com passagens por grandes veículos, participando, inclusive, de coberturas de conflitos armados, tragédias, política, economia. De tudo que já viu e acompanhou, pode dizer que valeu a pena a dedicação? Por quê?

RV: Aos 71 anos de idade, digo que não só valeu como continua valendo a pena. Ainda hoje, trabalho de dez a 12 horas por dia. Sigo produzindo, escrevendo artigos, livros.

O jornalista tem de acreditar que presta um serviço à sociedade.

Liberdade de expressão implica em responsabilidade de expressão. Temos de manter em mente que o jornalismo existe para o governado, não para governante. Ninguém vota em ninguém para que roubem, eles são funcionários públicos, devem prestar serviço à sociedade e o jornalismo cuida desse interesse.

Quais são as qualidades que esse profissional deve ter?

RV: A matéria-prima do jornalista é gente. O fato só existe porque existe gente. Ele deve gostar de pessoas, ter disciplina, estratégia, ordem, ser comprometido com a verdade. Sempre digo que o bom jornalista é o que é comprometido com fato e não com a versão do fato.

Tudo é sobre pessoas, do respeito e observação de nossas diferenças. Que bom que a gente não é igual, que há essa riqueza de cultura! Levar isso sempre em conta é o desafio de quem comunica.

Você comentou que ainda trabalha muito. Por quê? E quais são os planos para o futuro?

RV: Em minha opinião, somos seres em eterna construção, ninguém está acabado. A humildade do aprendizado é muito importante. O ser jornalista sabe que precisa aprender o tempo todo. Só terminamos no último suspiro. Ninguém conclui nada, estamos sempre crescendo e mudando.

Meus planos, atualmente, giram em torno de continuar vivo, vacinar-me (risos). Quero seguir trabalhando nisso que amo: comunicação, jornalismo e literatura. Ainda pretendo produzir muito.

Você comentou de qualidades necessárias ao jornalista. Vivemos um momento em que o trânsito de informações é gigantesco. Sob esse aspecto, em uma sociedade em que qualquer pessoa pode ser “repórter” com um celular na mão, qual é o papel do jornalismo? A profissão perdeu importância?

RV: Apesar de tentativas permanentes na História de “forças obscuras” reduzirem a importância e tirar liberdade dos jornalistas, ele segue sendo fundamental.

Infelizmente, apesar de muitas vezes velado, há um ataque a esses e outros profissionais. Muitos jornalistas e escritores morrem em nosso país. Tirar validade de diploma, atacar, ofender o profissional, todas são formas de tentar minimizar esse importante papel.

Apesar de tudo, o jornalismo continua vivo em sua missão: o compromisso com a verdade, que é o bem mais precioso. Numa entrevista que fiz com o duplo Nobel, Linus Pauling, perguntei por que não se esquece de uma vez a tragédia do nazismo, visto que é tão horrenda. Ele me disse que, “não se pode esquecer para que não aconteça novamente”. Essa é uma das funções do jornalismo.

Entrevistei também, em épocas e ocasiões distintas, Bill Gates e Steve Jobs e perguntei se tecnologias não iam acabar com o jornal, livro e revista. Ambos disseram que não, ou que pelo menos desejavam que isso não ocorresse, pela importância desses veículos.

No momento em que vivemos, as fake news são uma realidade, infelizmente, mas isso reforça ainda mais o papel deste trabalho jornalístico, pois continua sendo uma fonte confiável em meio a tanta coisa. A imprensa ainda é uma avalista da verdade.

Das experiências pelas quais passou, quais foram as mais desafiadoras? O que pôde aprender com elas?

RV: O repórter cobre de tudo. Eu vi conflitos armados, terremotos, enchentes e mais. Acredito que cada coisa vivida traz um aprendizado em si. No entanto, olhando numa perspectiva mais ampla, o conjunto da obra me ensinou a dar valor à vida, ao ser humano, às diversidades e a valorizar a verdade.

Você lecionou por 25 anos em cursos e instituições reconhecidas, além de ser um escritor com muitas obras publicadas, como iniciou nessas carreiras? 

RV: A escrita em si é uma derivação da profissão que sempre amei. Tenho 49 livros escritos entre História, poesia, reportagem, infantojuvenil, biografias, histórias de empresas, livros infantis e outros. Além disso, dei aulas de ética, redação, pesquisa, aferição de resultados.

A carreira de professor começou com um convite. Fui entrevistar, certa vez, o Mário Henrique Simonsen, que foi ministro da Fazenda e do Planejamento do Brasil, e ele era um reconhecido economista e professor. Após a entrevista, ele me convidou para fazer um curso na área de economia e eu fui.

Eu era um aluno muito perguntador e falador. Ao fim do curso, ele me convidou para dar aulas, disse que eu sabia falar com qualidade, argumentava bem, etc. Fiquei surpreso e disse que não me sentia seguro em dar aulas na área de economia. Então, ele disse que eu poderia atuar numa área de meu domínio e foi assim que comecei a lecionar na área de comunicação. Naturalmente, depois, surgiram outras oportunidades de matérias e disciplinas, o que me fez dar aulas por 25 anos.

Atualmente, não leciono mais, mas ainda faço muitas palestras.

Desde 1987, quando fundou a RV&A, você empreende na área da comunicação. Por que, afinal, tomou essa decisão?

RV: Foi uma dessas histórias curiosas da vida (risos). Eu trabalhava em três veículos de comunicação nesta época, incluindo rádio, TV e jornal, e fui desafiado por meu chefe do jornal a realizar uma série de matérias especiais que mostrassem o lado bom do mundo empresarial.

Eu tinha fama de ser questionador, de “bater” em muita gente e, por isso, ninguém queria me conceder entrevista, pois todos achavam que eu queria denunciar algo. Até que consegui, por um amigo meu assessor de imprensa, uma oportunidade de entrevistar o presidente de uma grande empresa.

Fui ao local, conversamos bastante e, na saída, ele me disse: “o senhor é um jornalista estranho”. Perguntei “por quê?”. Ele me falou, “você chegou no horário, veio vestido normalmente e fez perguntas inteligentes. Agora só falta escrever o que eu realmente disse”. Saí de lá, fiz a matéria e, após a publicação, recebi um telefonema desse senhor confirmando:

“O senhor escreveu o que eu disse mesmo, é realmente um jornalista estranho” (risos).

Tudo isso para dizer que, por conta dessa série chamada Palavra de Empresário, entrevistei os 300 presidentes das maiores empresas privadas do país na época e conheci muita gente.

Ao mesmo tempo, eu era âncora do Jornal da Manhã da rádio Jovem Pan e recebi um convite para participar de um processo seletivo em uma rede de televisão, que estava estruturando sua área jornalística. Acreditei que era uma vaga para repórter e concorri. Foi um processo gigante, com muitas etapas e diversos colegas de qualidade e, ao final, acabei sendo selecionado. No entanto, ao contrário do que pensava, a vaga não era para repórter e sim diretor geral de jornalismo da rede.

Fiquei surpreso. Mais tarde, vim a saber que fui cotado para a seletiva porque o presidente da emissora costumava me escutar no Jornal da Manhã. Como esperado, era um cargo com muitos benefícios, um salário astronômico e uma grande responsabilidade, o que me fez ter dedicação exclusiva e, assim, me demiti de todos os outros empregos.

O presidente da emissora gostava de conhecer pessoalmente os profissionais antes que iniciassem no cargo e, quando marcamos o encontro, ele precisou viajar para realizar uma cirurgia. Naturalmente, houve um espaço de tempo e, este empresário, após uma entrevista que deu a outro profissional nesta lacuna, ficou encantado com o resultado e acabou colocando-o no meu lugar.

Foi assim que, de três empregos e após um processo seletivo gigantesco para um cargo que concorri enganado, acabei não sendo nem repórter e nem diretor de jornalismo, mas sim desempregado (risos).

E como isso se tornou uma empresa de comunicação tão grande como é hoje?

RV: Isso me fez recolher minhas poucas reservas financeiras e pensar em qual ramo eu gostaria de empreender. À época, eu era muito crítico à assessoria de imprensa em voga e pensei que poderia desempenhar esse papel para o qual, inclusive, eu já havia recebido diversos convites.

Pelo meu bom trânsito no mundo empresarial àquela altura, fiz contato com os presidentes de algumas organizações que eu havia entrevistado e disse que estava abrindo minha própria empresa de assessoria de imprensa. Seis deles toparam e, assim, iniciei sozinho e com clientes grandes essa jornada.

Montei a empresa no meu pequeno apartamento, na Vila Olímpia da cidade de São Paulo. Fazia todos os trabalhos com alguma ajuda de minha esposa. Era um grande volume e eu precisava contratar pessoas, mas tinha medo de perder clientes e ter de demitir funcionários. Demorei um tempo até entender que havia uma rotatividade natural. Que mesmo que alguns clientes me deixassem, outros entravam, e isso me deu segurança para iniciar as contratações e expandir o negócio.

Hoje, a RV&A é referência, uma das maiores empresas na área de assessoria de imprensa no país. Com diferenciais como não atender contas públicas, nem de políticos, e atuando em diversas áreas como educação, agricultura, indústria, comercio e serviços.

Por realizar um trabalho diferenciado, cunhei o nome de Jornalismo Institucional, que é, na verdade, o serviço que presto.

Você obteve sucesso em tudo que fez, mesmo enfrentando dificuldades. A que atribui isso e que dica daria para aqueles que querem seguir carreiras como as que seguiu?

RV: Seja jornalista, empreendedor, escritor: é preciso ter paixão, prazer, gostar muito e acreditar que aquilo faz bem a você; que aquele desafio é o que te valoriza e te engrandece. É preciso ter compromisso, buscar qualidade.

É necessário estar disposto a aprender muito e sempre. Insatisfação permanente é um dos pontos que vai fazer você melhorar e progredir. E digo também para acreditar na intuição e ter humildade, isso é fundamental para ter consciência dos erros que vai eventualmente cometer e poder consertá-los.

No caso da educação, ensinar é uma mão dupla. Deve-se olhar o aluno como igual, alguém com quem crescer e compartilhar conhecimento, pesquisa, experimentos. Ao professor, digo que o aluno precisa gostar da aula. É preciso provocar, instigar. Não deixe o aluno desistir do professor e o professor não pode desistir dos alunos.

Se o Ricardo Viveiros de hoje encontrasse o jovem de 14 anos que iniciou no jornalismo, o que um diria ao outro? 

RV: Eu brinco que a grande vantagem de se ficar velho é a de não ter morrido ainda (risos). Acredito que aquele menino de 14 anos olharia para mim e diria: “rapaz, você continua na luta!”. De um jeito bom, pois ele veria que ainda sigo defendendo liberdade, democracia, diversidade de pensamento, educação, cultura.

E o de 71 anos olharia ao rapaz e diria: “continuo na luta, e sigo nessa luta por sua causa. Obrigado!” (se emociona).

Por fim, quando disse que queria “morrer repórter”, olhando sua trajetória de uma perspectiva mais ampla – e não desejando de forma alguma que a morte esteja próxima – vejo que a missão está sendo cumprida, pois ainda faz tudo com entusiasmo. O que diria aos jovens que buscam isso?

RV: Quando alguém me propõe uma “encrenca”, meus olhos brilham. Não importa minha idade, é isso que me motiva!

É muito triste ver o jovem sem brilho no olhar e com desesperança. Digo a todos que, enquanto se sonhar grande, se está vivendo, ajudando, produzindo, contribuindo. E isso não pode parar.

Aos jovens, digo para que escolham uma profissão dessa forma: na qual estarão felizes e cheios de prazer. Se estou encantado, farei bem-feito. Tudo o que você põe seu conhecimento e sua paixão, ganha qualidade, ela é uma consequência, assim como o sucesso!