Lições argentinas para o Brasil

03.05.202310h35 Elton Duarte Batalha

Compartilhe nas Redes Sociais

Lições argentinas para o Brasil

A Argentina tem sido, desde a redemocratização do país há quase quarenta anos, um laboratório de experiências econômicas. Governos à direita e à esquerda no espectro político têm aplicado teorias ortodoxas e heterodoxas na tentativa de tirar a nação do turbilhão de crises que, em maior ou menor grau, assolam os vizinhos dos brasileiros. O populismo na política e na economia é característica marcante de diversos países da América do Sul, entre os quais a Argentina e o Brasil. Por tal motivo, observar o momento atual dos argentinos pode propiciar reflexões sobre possíveis passos que os brasileiros devem ou não tomar na condução dos interesses nacionais.

Como sabido, o ambiente econômico na Argentina não tem demonstrado condições de propiciar boas perspectivas aos respectivos cidadãos, dada a gigantesca inflação superior a 100% ao ano (março de 2023), sendo 39,2% da população considerada pobre e 8,1% das pessoas com vida material em nível de indigência (2º semestre de 2022), segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). Considerando-se o panorama político argentino, marcado pela forte intervenção estatal na economia proposta pela visão peronista/kirchnerista, é evidente que algumas lições podem ser tiradas de modo a influenciar o caminho brasileiro.

No fim do ano passado, por exemplo, houve a implementação do Programa Preços Justos, baseado na ultrapassada receita de congelamento de preços de modo a diminuir o impacto da inflação no curtíssimo prazo do cotidiano da população. Nada melhor que soluções simples para problemas complexos, como a história do Brasil confirma: é claro que a questão inflacionária não foi resolvida e a medida adotada pode trazer outros efeitos deletérios, como o desabastecimento de certos produtos, dado o desincentivo aos produtores com tal interferência estatal. Em última análise, a mensagem passada ao mercado é péssima, pois mostra que os detentores do poder podem retirar a possibilidade de lucros dos investidores a qualquer momento. Note-se que o repasse do aumento da inflação aos preços de bens e serviços é questão de lógica econômica, não de degeneração moral dos empresários. Em vez de preocupar-se com o efeito inflacionário, talvez fosse mais produtivo ao governo preocupar-se com a causa de tal fenômeno. É questão importante a ser observada no Brasil em tempos nos quais o Presidente do Banco Central tem sido duramente criticado por manter os juros no patamar atual como forma de combater a inflação.

O populismo econômico cobra o preço, por óbvio, no campo político. O Presidente argentino, Alberto Fernández, informou recentemente que não pretende concorrer à reeleição no pleito deste ano, decisão esperada dada a baixa popularidade do governo atual. A vice e também ex-Presidente, Cristina Kirchner, que tem enfrentado problemas com a Justiça, demonstra publicamente não querer candidatar-se. Além disso, a população da Argentina dá preocupantes sinais de diminuição de crença na democracia como regime preferível a qualquer outro, tendo tal índice diminuído de 73% para 65%, conforme dados da instituição Poliarquía Consultores. A grande questão a ser observada pelo Brasil está aí: medidas populistas podem produzir bons resultados eleitorais a curto e médio prazo, mas provocam a corrosão das convicções democráticas do povo diante da impossibilidade de desenvolvimento social e econômico a longo prazo. Assim, o caminho fica aberto para algum aventureiro demagógico de qualquer orientação política a utilizar-se de algum carisma e manipular os sentimentos da população, aflita diante da falta de perspectiva. A ilusão de um futuro glorioso pode criar um presente sombrio, como evidencia fartamente a história mundial.

A experiência argentina está a disposição para quem se dispuser a estudá-la. Caso o Brasil queira voltar ao passado, com medidas como congelamento de preços e inflação descontrolada, a aula está dada. As consequências políticas, porém, são imprevisíveis, embora tendam a ser nefastas em um ambiente como o sul-americano, marcado historicamente por lideranças autoritárias e demagógicas, sedentas por manipular uma população desesperada por melhores condições de vida. O tempo irá dizer.

Autor: Elton Duarte Batalha – Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.