Da morte para a vida

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Chanceler do Mackenzie, reverendo Robinson Grangeiro Monteiro, relembra do significado profundo da Páscoa

01.04.2021


Sêneca disse que não é da morte que temos medo, mas de pensar nela. Outros, muito apegados ao lado de cá da eternidade, brincam dizendo que não têm medo de morrer, mas que lamentam ter que deixar de viver.

Por mais que se tente, tem sido difícil, e até impossível, evitar receber notícias sobre mortes que acontecem a todo instante. A cada manhã, acessamos redes sociais e grupos de WhatsApp que mais parecem obituários renovados continuamente com notícias de tragédias, internações em UTI, intubações etc. O cheiro fúnebre penetra em nossas casas, como um ar poluído e tóxico para a alma.

Todavia, é importante lembrar que foi à sombra da morte que surgiu a primeira Páscoa, e a última, quando ela foi ressignificada por Jesus diante de seus apóstolos na última ceia.

Aqueles eventos catastróficos numa sequência crescente de juízo divino, que culminou com a morte dos primogênitos e a saída de multidões de hebreus da escravidão no Egito para a terra prometida a Abraão e seus descendentes, foram marcados pela instituição da Páscoa. De dentro de cada lar era possível ouvir o choro do lamento e do luto vindo das ruas, enquanto confiavam no livramento garantido pelo sangue nos umbrais das portas, já se preparando para um dos maiores êxodos da história.

Um dia de morte para muitos e vida para outros se tornou memorial a ser celebrado a cada ano, lembrando que não nascemos para morrer, mas que a vida surge de uma vida que se perde, para que outra possa ser salva.

O que faz da Páscoa uma festa de vida e não apenas um lamento de morte é justamente o fato dela nos ensinar que a morte é o caminho para a verdadeira vida. Não qualquer morte, nem de qualquer um, nem por qualquer motivo ou para qualquer propósito. Os cordeiros perfeitos e imaculados que eram sacrificados, substituindo os filhos da aliança na fila da morte, apontavam para a vida e a esperança daqueles que compreendem e confiam nesta substituição do culpado pelo inocente, tão paradoxal e incompreensível à mente humana. 

No entanto, no propósito divino, daquela páscoa como evento histórico e ao mesmo tempo figurado de uma realidade plena no futuro, viria um só Cordeiro, o qual por meio de um só sacrifício tomaria sobre si “todas as nossas enfermidades e as nossas dores”, e como um “aflito, ferido de Deus e oprimido” seria “traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades”, para que “o castigo que nos traria a paz estivesse sobre ele e pelas suas pisaduras fossemos sarados” (Isaías 53:4,5).

Este “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (João 1:36) foi Jesus, o Filho de Deus, sacrificado em favor daqueles que nele depositam fé e esperança para a vida, que se impõe sobre a morte e se estende para o outro lado da eternidade.

Na última ceia, Ele ressignifica o partir do pão e o compartilhar do vinho presentes na refeição memorial da Páscoa e afirma com autoridade divina a inauguração de uma nova aliança assumida e usufruída pela fé dos que nele creem: “Este é o meu corpo, tomai e comei. Este é o meu vinho, tomai e bebei. Fazei em memória de mim”.

Poucas horas depois, Jesus é imolado no altar do Calvário e a Páscoa atinge a plenitude de seu significado redentivo, o que faz o apóstolo Paulo escrever: “Assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens” (Romanos 5:18).

Naquela derradeira refeição pascal transformada em eucaristia, Jesus lança o olhar de seus discípulos para a consumação de todas as coisas, e então promete: “Desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai” (Mateus 26:29). A Páscoa se torna a comunhão da vida eterna, de homens e mulheres redimidos sentados à mesa com o Cordeiro, o Rei Jesus, que vive e reina para sempre.

O cordeiro Jesus é o real e completo sentido da Páscoa — da Páscoa histórica no Egito, passando pela Páscoa redentiva no Calvário e chegando à Páscoa escatológica na eternidade — porém, em pleno 2021, em meio à morte, que insiste em dominar nossos pensamentos e tocar gente cada vez mais próxima de nós, esta Páscoa pessoal e existencial pode ser experimentada por cada um que lhe ouve e crê em suas promessas: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá. Crês tu nisto?” (João 11.25).