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A arte é uma forma de mostrar o seu júbilo diante da face de Deus.
Hans Rookmaaker
A espiritualidade cristã deve abranger todas as facetas da realidade criada por Deus, sem separação das coisas em sagradas e seculares.
Hans Rookmaaker
Robinson Grangeiro Monteiro, chanceler do Mackenzie.
Foto: NTAI/Mackenzie
A arte é uma forma de mostrar o seu júbilo diante da face de Deus.
Hans Rookmaaker
A espiritualidade cristã deve abranger todas as facetas da realidade criada por Deus, sem separação das coisas em sagradas e seculares.
Hans Rookmaaker
No ano em que a Semana da Arte Moderna de 1922 completa seu centenário, refletir sobre a arte, em uma perspectiva confessional, é um desafio sintetizado nessas duas citações do livro, cujo título é o mesmo deste artigo.
Se, por um lado, a arte está naturalmente ligada ao estado da alma, às crenças e aos valores do espírito humano, bem como à visão do artista sobre a realidade tangível ou intangível; e tudo isso por mandato cultural do Criador. Por outro lado, a divisão espúria do que é secular ou sagrado exige que a arte seja considerada desobrigada de ser religiosa e, mesmo assim, seja revestida de transcendência, sacralidade e valor intrínseco; e, da mesma forma, por mandato espiritual do Criador.
O próprio Rookmaaker reconhece uma mudança significativa no status do artista e na função da arte no mundo contemporâneo, quando depois de serem considerados artesãos, mesmo que patrocinados por mecenas, alguns dos quais papas e burgueses, os artistas, de modo geral, estão inseridos hoje em um contexto de mercado no qual expõe seus “produtos culturais”.
No entanto, ainda que não precise de justificativa extrínseca, toda arte serve a um propósito maior do que o valor comercial que lhe é atribuído. Ela comunica e, desse modo, expressa para além de valores estéticos, filosofias de vida, lugares de fala e cosmovisões, ideológicas, políticas ou religiosas.
Desde que Kant, Schelling e Hegel passaram a considerar a arte uma síntese das contradições dos sistemas filosóficos, os artistas deixaram de ser “meros artistas” para se tornarem filósofos da estética, abordando questões metafísicas e propondo soluções éticas.
Como Rookmaaker escreve: “estudiosos modernos, historiadores, historiadores da arte e filósofos (bem como artistas) fazem mais do que apenas seguir tendências. Eles trabalham a partir de uma cosmovisão básica da realidade. Esta cosmovisão é frequentemente um tipo de religião irreligiosa”.
Qual é o significado desse caráter religioso da arte?
Primeiramente, a arte não é mais pela e para a contemplação da beleza de per se, mas de reflexão sobre o que conceitualmente beleza e feiura querem dizer, afirmar, negar ou contradizer. Arte é poder, e o artista é sujeito empoderado para múltiplos propósitos, exercido por alguns como “função social”, eventualmente não utilizado por outros que preferem exercer a sua arte “apenas” como entretenimento ou em seu lugar terapêutico lato sensu.
A arte é mídia no sentido próprio do termo. Ela não precisa de justificativa, mas também não se justifica como um fim em si mesma. Capaz de transmitir, pelas vias dos sentidos humanos e dos significados atribuídos pela conação, a arte é um meio de emocionar em sentido amplo e diverso, convencer em prosa, verso, figura e fundo, cores e perspectivas, tanto quanto outras tantas formas de expressão, persuasão e mobilização, como a política, por exemplo. Desse modo, arte é uma narrativa no sentido mais próprio da palavra: uma meta-história sobre os fatos e as percepções que o artista expressa.
Finalmente, a arte reveste-se de caráter religioso, no sentido mesmo de ter um credo, expressar-se em liturgias e exigir devoção, mesmo quando ela não é arte religiosa. Religião, como se sabe, é mais do que instituições religiosas e suas presenças na história. É um todo daquilo que se crê, se adora e se serve como propósito imediato e também como finalidade última da vida.
Há religião que crê em “deuses não teontológicos”, como aqueles conhecidos por nomes que as expressões sócio-históricas os batizaram. Há religião do poder, do ter, do não ser e até do não crer e, mesmo assim, ainda crer pela via inclusive da arte, porque não há nada que saia da boca e de dedos humanos que não digam: “eu creio!”.
Portanto, a celebração de qualquer arte deve ser condicionada de modo pré-conceitual e teleológico, porque afirmar que ela não precisa de justificativa não é sinônimo de lhe atribuir a suposta categoria de neutralidade, de imparcialidade e de despropósito.
A arte não se justifica, mas o artista, sim. Ele o faz revelando-se em sua arte, na qual são nítidas as paletas de cores com as quais colore o mundo, os espaços vazios e preenchidos de sua cosmovisão e a sua mais profunda e autenticadora angústia existencial. Todo artista originalmente criado à imagem do maior de todos os artistas, hoje, em seu estado caído é privado essencialmente de seu motif e inspiração mais mobilizadores. Ele pinta, esculpe, fotografa, compõe, canta, toca etc. em busca da arte perdida, ou porque já achou o caminho de volta ao jardim.
Afinal de contas, todos os serem humanos foram feitos — do grego, poietês, de “poesia”, “feitura”, “artesanato” — para o louvor da glória de Deus, a fim de proclamar as virtudes de quem os chamou das trevas para a luz, quer isso seja expresso em sua tela de “natureza morta” ou com a imaginação de um ícone do divino, seja em uma poesia desesperada, seja em um hino de louvor, quer fale de si, da vida ou de Deus.