Marco Tullio de Castro Vasconcelos, reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Foto: NTAI/Mackenzie
Em duas edições anteriores desta revista, abordamos dimensões ou eixos de nossa “circunscrição” institucional, no contexto da educação superior brasileira: estamos a falar de uma universidade, que é comunitária. Porém, isto não esgota a caracterização da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Assim, agora vamos tratar mais um aspecto muito importante. Na verdade, para nós é também fundamental: nossa universidade, comunitária, é confessional.
À luz da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, encontramos no parágrafo 1º do Art. 19, que versa sobre as categorias administrativas possíveis: “As instituições de ensino a que referem os incisos II [privadas] e III [comunitárias] do caput deste artigo podem qualificar-se como confessionais, atendidas a orientação confessional e a ideologia específicas.” Dado o amparo legal da legislação federal vigente (ou seja, LDB), faz sentido indagar se há outras normativas complementares que tipifiquem aspectos mais específicos, que tragam algum detalhamento maior sobre abrangência e/ou limites na atuação de instituições de educação superior confessionais, a exemplo do que ocorre com as Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES e com as instituições filantrópicas, para as quais há leis específicas. Até onde temos ciência, não há, ainda que o caput do Art. 213 da Constituição Federal faça referência a “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei”.
O que se tem, consensualmente, é que as universidades, centros universitários ou faculdades confessionais invariavelmente estão formalmente vinculadas a uma denominação religiosa. No nosso caso, a associada vitalícia é a Igreja Presbiteriana do Brasil, que recebeu todo o patrimônio, até então constituído, em doação da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos da América (UPCUSA) e da COEMAR (órgão sucessor da antiga Junta de Missões Estrangeiras da PCUSA), quando da formalização do processo de nacionalização, conduzido ao longo de quatro anos e finalizado em novembro de 1961. Também tipificadas como confessionais encontram-se as instituições de educação superior adventistas, batistas, católicas (Pontifícias ou não) e metodistas. Juntamente com as presbiterianas, estão presentes em todo o território nacional.
A presença desta relação entre igreja, ou denominação religiosa, e educação superior caminha para um milênio, pois está na origem das universidades ocidentais, a qual se deu na Idade Média, na passagem do século XI para o XII (a primeira delas em Bolonha, em 1088, seguida pelas de Oxford e Paris). O pensamento cristão medieval estava intrinsecamente associado a esta origem, bem como a grande influência exercida pela liderança da igreja cristã da época. No caso da América Latina (mais precisamente, na chamada América espanhola), as primeiras universidades têm sua origem em meados do século XVI, também diretamente vinculadas à igreja (sendo a primeira delas a de Santo Domingo, em 1538, em que pese haver certa dúvida se esta fundação pontifícia teve efetividade. Na sequência, vieram a Universidade Nacional Maior de São Marcos, em Lima, e a Universidade Real e Pontifícia do México). Voltando à Europa, registramos o surgimento da Academia de Genebra, em junho de 1559, fruto dos esforços de João Calvino (Jean Calvin), teólogo protestante francês que havia retornado para aquela cidade em 1541 e, desde então, empreendia ações com vistas à consecução deste objetivo. Pode-se assegurar que se está a falar da primeira instituição confessional cristã reformada que oferecia ensino superior (por sua Schola Publica).
Quando se considera a América do Norte, o Harvard College teve início em 1636, com recursos orçamentários da comunidade destinados pelos colonizadores puritanos de Massachussets. Em 1693, surge o College of William and Mary, fundado pelo pastor anglicano escocês James Blair. Yale College e Princeton College, na sequência (ainda que por algum tempo com nomes distintos), igualmente têm religiosos que professavam a fé cristã reformada em sua origem.
No Brasil, onde o ensino superior de modo considerado regular surge mais tardiamente, ao final do século XVIII, com a criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho (em 1792), precursora tanto da que viria a ser a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ como do Instituto Militar de Engenharia – IME, tem-se, a partir da passagem do século XIX para o XX, oferta de cursos superiores por instituições de natureza confessional, como o Mackenzie College e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento. E, neste século XXI, seguramente, as universidades, centros universitários e faculdades confessionais no país são responsáveis por oferta de educação superior da mais alta qualidade, pautada por seriedade em seus princípios e sua conduta, e, assim, continuam a contribuir, com distinção, para o desenvolvimento nacional.
Isto posto, e voltando o foco para a Universidade Presbiteriana Mackenzie, cabe indagar o “lugar” da confessionalidade no contexto institucional. A forma como a entendemos não pode e não deve se restringir a, ou se confundir com, algo meramente nominal e/ou teórico, mas sim deve ser uma expressão prática e constante de um compromisso ético-moral para oferta e preservação de educação superior que, recorrendo ao Prof. Jorge Olímpio Bento, catedrático da Universidade do Porto, cumpra com sua “incumbência de formar pessoas cultas, capazes de esclarecer os fenômenos e as coisas, de por a nu as diversas formas de ‘hemiplegia espiritual e moral’. [...] capazes de compreender a sua área e de a situar no plano da vida e no contexto sociocultural, à altura do seu tempo, disponíveis para exercitar a sua inteligência e para viver a partir da faculdade maravilhosa que é de perceber a própria limitação.” Ou seja, um ethos voltado para solidariedade, promoção do bem, “construção de pontes”, geração de esperança.
No I Fórum das IES Confessionais brasileiras, evento promovido pela Associação Brasileira das Instituições Educacionais Evangélicas – ABIEE e pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil – ANEC, realizado em 12 de novembro de 2014, o então presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Prof. Erasto Fortes Mendonça, convidado para uma palestra, concluiu com as seguintes palavras (ou muito próximas a essas): “As instituições confessionais deveriam ser reconhecidas pelos de fora pelo amor que se pratica dentro”. Esta frase revela, com fidelidade, o princípio cristão de que o amor é o dom maior, devendo externar visivelmente o ensino de “amar ao próximo como a nós mesmos”. Se não houver coerência entre o que se declara (por meio de missão, visão, princípios e valores) e o que se pratica, se não for perceptível esta convergência, a rigor se está a negar aquele ensino. Como bem sabemos, não é possível que a expressão do amor cristão, em seus atributos, seja teórica e/ou impessoal. Uma das formas de expressá-lo no contexto da educação superior, segundo nosso entendimento, é por meio da oferta de bolsas de estudo para quem se encontra em situação financeira de precariedade. Sobre isto, conversaremos na próxima edição.