Documentário

Resgatando o reinventor do Brasil

Documentário da TV Cultura revive história do presidente Juscelino Kubitschek e a saga da construção de Brasília.

Era uma vez um presidente que fez o impensável: na década de 1950, ele transferiu a capital do país de um local povoado há centenas de anos para uma cidade construída no zero, no interior da nação. Todos nós conhecemos essa história, afinal, a tal cidade erguida no meio do nada é Brasília, no Distrito Federal. Contudo, o homem responsável por essa façanha urbanística e política ainda não é bem conhecido por seus conterrâneos. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 2021 apontou que apenas 1% dos brasileiros apontaram Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902–1976) como o melhor presidente da história do Brasil. JK, como ficou conhecido, foi o 21º presidente do Brasil e governou o país entre 1956 e 1960. Era o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, marcado pelo início da hegemonia dos Estados Unidos no ocidente e da União Soviética no bloco socialista. Industrialização intensa, corrida espacial, modernidade… o mundo lá fora era vibrante, voltado para o futuro, e JK não deixou o Brasil para trás. Com o lema “50 anos em cinco”, ele deu incentivos à indústria, à modernização da agricultura e às cidades. Seu maior legado, contudo, foi a construção da nova capital, no meio do Cerrado e no coração do Brasil.

Esta é a história retratada pela série documental “JK, o reinventor do Brasil”, produzida pela TV Cultura. Parceira da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) em diversas frentes, a Fundação Padre Anchieta escolheu o auditório MackGraphe, no campus Higienópolis, para a pré-estreia exclusiva da série. Em 24 de novembro, alunos e professores assistiram ao primeiro episódio da nova produção e participaram de um bate-papo com o autor e diretor executivo da série, Fábio Chateaubriand Borba, e a professora e historiadora da UPM, Rosângela Patriota Ramos. “O objetivo da produção é divulgar esse capítulo de nossa história e mostrar que Brasília não é o que se mostra de modo depreciativo. Brasília é um símbolo da capacidade do brasileiro de contar a própria história, e JK conduziu esse processo com leveza, paciência e jogo de cintura, como um bom político mineiro”, afirma Fábio Borba.

Relembrando Juscelino

O produtor Fábio Chateaubriand Borba conversou com a Revista Mackenzie sobre o trabalho realizado pela TV Cultura. Segundo ele, o documentário veio para ajudar a corrigir o desconhecimento do brasileiro a respeito dessa importante figura histórica. A série retrata toda a sua trajetória de vida, desde a infância humilde em Diamantina (MG) até a chegada ao posto máximo da nação.

Fábio Chateaubriand Borba, autor e diretor executivo da minissérie “JK, o reinventor do Brasil”.

Nadja Kouchi

“O objetivo da série é retratar um capítulo de nossa história ainda pouco conhecida, quando o Brasil decide interiorizar suas decisões e transfere a capital do Rio de Janeiro para o centro do país, no Cerrado”, define. O projeto de transferência era antigo, remontando ao reinado de Dom Pedro II, mas até então não tinha sido levado adiante. Em sua gestão, JK tirou a poeira do projeto e o levou em frente. Enfrentou uma oposição ferrenha e conquistou o apoio deles. Os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer foram responsáveis pelo projeto de Brasília, do traçado urbanístico aos prédios públicos e residenciais, as superquadras. Assim, o Brasil colocou a arquitetura moderna em destaque, chamando a atenção do mundo para a obra de engenharia e política que o país realizava. Milhares de operários vindos de diversas regiões brasileiras foram ao Centro-Oeste para trabalhar na construção da nova cidade, inaugurada em abril de 1960. “A série mostra a saga da construção de Brasília e todo o empenho do presidente JK, que abraçou essa causa como pessoal, enfrentando desafios pessoais, políticos, sociais e de conjuntura econômica”, explica o produtor.

A série documental também aborda outras passagens sensíveis da gestão JK, inclusive a tentativa de golpe antes de sua posse. O suicídio de Getúlio Vargas em 1954 intensificara uma crise política que opunha à União Democrática Nacional (UDN), liberal, a políticos do espectro nacional desenvolvimentista, ligados a Vargas. A chapa que lançou Juscelino como candidato à presidência e João Goulart como vice saiu vencedora da eleição de 1955, derrotando Juarez Távora, que concorria pela UDN, e os candidatos Adhemar de Barros e Plínio Salgado. A oposição reivindicou que a vitória não era válida e tramou um golpe para impedir a chapa de assumir a presidência. A articulação não deu certo, e um contragolpe garantiu o cumprimento do resultado das urnas. “JK foi muito habilidoso em driblar os desafios, desde a tentativa de golpe até a oposição, que concordou com a construção de Brasília mas acreditava que aquele projeto arruinaria o presidente. O que ocorreu foi que ele deixou um Brasil preparado para o futuro”, observa Borba.

Pesquisa iconográfica inédita

A equipe da TV Cultura levou meses realizando entrevistas e consultando arquivos a fim de reunir as informações necessárias para contar essa história. O historiador Ronaldo Costa Couto, biógrafo de Juscelino Kubitschek, foi consultor da série. Mais de trinta pessoas que conviveram com o ex-presidente e sua família foram entrevistadas. Filmes de arquivos foram utilizados para ajudar a compor a história do governo JK e da construção da capital federal. Algumas instituições parceiras da produção são o Arquivo Nacional, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Instituto Moreira Salles, Arquivo Público do Distrito Federal, Pontifícia Universidade Católica de Goiás e o Arquivo Jean Manzon, cineasta francês que registrou parte importante da rotina de JK e da construção de Brasília.

“É a maior pesquisa iconográfica já feita sobre Juscelino Kubitschek de Oliveira”, comemora o produtor. Foram pesquisadas mais de 50 mil fotografias, e parte considerável dela está sendo utilizada na série e na fotobiografia, que será lançada em 2024. O trabalho de busca e catalogação das fotografias e dos vídeos de JK foi tão intenso que até pessoas que conviveram com o ex-presidente se surpreenderam com o resultado. “Cerca de 70% das fotos que compõem o livro fotobiográfico e a série documental não eram conhecidas pela filha de JK, Maria Estela Kubitschek, nem pelo amigo e secretário Serafim Jardim, presidente da Casa de Juscelino Kubitschek, em Diamantina”, conta Borba. Graças ao trabalho da TV Cultura, os próximos pesquisadores que desejarem estudar a vida e a obra de JK, incluindo a construção de Brasília, terão uma nova e atualizada referência.

Conversa jovem e educativa

A linguagem documentária é tradicional no audiovisual, e foi revitalizada nos últimos anos com uma nova leva de séries documentais, inclusive nos serviços de streaming. De olho nesse movimento, a TV Cultura decidiu compor uma obra jovem e dinâmica que dialogasse com o que há de mais novo em matéria de entretenimento e educação, inclusive os podcasts. A série “JK, o reinventor do Brasil” é voltada a todas as faixas etárias, mas foi pensada para cativar os jovens que consomem podcasts e desejam saber mais sobre a história do Brasil.

“A produção tem um formato diferente dos documentários tradicionais, que são um pouco formais.” A equipe agregou publicitários como Jarbas Agnelli, diretor de produção, e Fernando Rodrigues, que assina o roteiro. “A série é dinâmica e jovial, com uma linguagem diferente e que se conecta com a geração mais jovem”, explica Borba. A série também é moderna no uso de tecnologia. Segundo o produtor, trata-se da primeira grande produção da televisão brasileira que utilizou recursos de Inteligência Artificial para reparar imagens. “É um documentário pop, em ritmo de podcast e muito musical. Conversamos com o público-alvo por essas ferramentas”, diz o produtor.

Parceria com o Mackenzie

A série documental pode — e deve — ser utilizada também como recurso pedagógico em escolas e faculdades. “Inclusive, nosso intuito ao exibir a série no Mackenzie foi aproximar a TV Cultura, uma emissora educativa, da academia e dos estudantes”, diz Borba.

No evento de lançamento da série e exibição do primeiro episódio, o vice-presidente da TV Cultura, Carlito Camargo, celebrou a parceria entre a Fundação Padre Anchieta e a UPM. “A Cultura precisa se reinventar e não há lugar melhor para isso do que em uma universidade, lugar em que as ideias circulam. É uma parceria para que a gente faça um novo país. JK é o grande presidente da mudança e é fundamental que o Brasil tenha conhecimento de si mesmo”, apontou. Já para Lindberg Morais, professor da UPM, a parceria também contribui para a renovação da Universidade. “Estamos praticamente reinventando uma universidade quando queremos colocar dentro do que é cultura nesse país. Não que já não estivesse, mas é importante fazer parte e trazer para a academia. Isso é extensão: idealizar um país melhor”, pontuou.

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