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Título: Inovação em fachadas: peles de vidro
Título: Inovação em fachadas: peles de vidro

Professora da FAU analisa impacto da luz natural na economia de energia dos edifícios e ritmo circadiano de seus ocupantes; solução pode render patente

Fotos: NTAI/Mackenzie

Pode parecer um detalhe, mas não é. O desempenho da luz natural difusa que atravessa a fachada envidraçada dos escritórios tem um efeito direto sobre o meio ambiente, por meio do consumo de energia elétrica em iluminação e ar-condicionado, e pode impactar até mesmo o bem-estar das pessoas, afetando o ritmo circadiano. Este é o objeto de pesquisa da professora Erika Ciconelli de Figueiredo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FAU-UPM), desde seu mestrado, finalizado em 2011.

Erika Ciconelli de Figueiredo, professora da FAU-UPM

Os ritmos circadianos são as mudanças regulares dos estados mentais e físicos ao longo de um período de 24 horas, controlados por uma área do cérebro influenciada pela luz. Em seu estudo, a professora investiga como a luz que atravessa as fachadas peles de vidro podem influenciar os funcionários que trabalham ali, em aspectos relacionados ao estresse, ao sono, à saúde mental e ao próprio desempenho no trabalho.

Economia de energia e ciclo circadiano

Segundo Erika, tudo começou no mestrado, quando estudou nove edifícios com fachada pele de vidro — três na Alemanha e seis na capital paulista. “Inicialmente, eu queria entender o alcance da luz no interior do prédio e suas implicações”, lembra. No doutorado, em 2016, ela propôs uma fachada com dois tipos de vidro: quebra-sol e prateleira de luz.

Nesse modelo, foi proposto um vidro de alta transmissão luminosa, próximo ao forro, o que ampliaria, em conjunto com a prateleira de luz, o alcance da iluminação natural difusa. Na região abaixo da prateleira de luz, o vidro selecionado privilegiaria o controle térmico e, consequentemente, teria uma transmissão luminosa menor. No entanto, por causa do quebra-sol, a transmissão luminosa do vidro pôde ser ampliada. Essa região da fachada é importante pois permite o contato visual com o exterior do edifício, impactando não apenas na distribuição da luz natural mas também no ritmo circadiano dos ocupantes, aspecto que a pesquisadora viria a se aprofundar posteriormente. As simulações computacionais desenvolvidas indicaram alto desempenho da iluminação natural e, consequentemente, a possibilidade de economia de energia.

Modelo de fachada proposto

Na época do doutorado, a Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro) mostrou-se interessada em fornecer os vidros para um modelo em escala real que, caso avance, pode gerar um produto e uma patente para a UPM.

Foi na continuidade da pesquisa que Erika se deparou com uma perspectiva mais ampla: além da economia da energia, a luz natural tem relação direta com o ciclo circadiano das pessoas. A pesquisadora mirou um estudo feito na Austrália, no edifício da Prefeitura de Melbourne — o Council House 2, considerado excelente do ponto de vista ambiental, que revelou que ali as pessoas adoecem menos, faltam menos ao trabalho e têm um desempenho melhor.

Em sua análise, ela demonstrou a “importância da iluminação natural para a obtenção de um ritmo circadiano regular, cujos efeitos extrapolam o ambiente de trabalho. Indivíduos com, ao menos, quatro horas de exposição à luz natural no período da manhã demonstram melhor sono à noite, reportam menos depressão e menos interrupção durante o repouso. O ritmo circadiano em sincronia com os períodos de claro-escuro do mundo exterior favorece a manutenção dos ritmos fisiológicos e comportamentais, beneficiando o desempenho do indivíduo e a sensação de bem-estar”.

Segundo Erika, para que os funcionários dos escritórios possam se beneficiar da iluminação natural, “é necessário que os arquitetos projetem as envoltórias e os espaços internos de acordo com o alcance de luz natural, de forma que favoreçam o bem-estar, a produtividade e o comprometimento de seus ocupantes, sem a ocorrência de ofuscamento”. Com um planejamento arquitetônico adequado, o modelo proposto para as fachadas peles de vidro permite que as pessoas recebam a luz natural de forma difusa e equilibrada, sobretudo pela manhã, comprovadamente o horário mais propício para beneficiar o organismo.

Utilizando o programa Alfa, desenvolvido pelo Massachussets Institute of Tecnology (MIT), a arquiteta analisa o ritmo circadiano por meio da luz que chega à retina das pessoas. A ferramenta inovou ao permitir avaliar a iluminação natural captada pela retina, não apenas no plano horizontal mas em todas as direções. “Temos como avaliar se a posição da estação de trabalho proporciona ao ocupante um estado de alerta ou relaxamento, por meio da medição do nível de luz que incide na retina, e como isso impacta sua saúde como um todo”, afirma.

Proteção para os pássaros e uso de grafeno

Outra vantagem do uso da fachada proposta é a redução da probabilidade de colisão por pássaros. A colisão de aves com fachadas envidraçadas é a maior causa de mortes em todo o mundo.

Principais causas de mortes não naturais de pássaros

Fonte: Green Building Education Services, 2015

Nos Estados Unidos, onde há monitoramento constante, estima-se que 600 milhões de aves morrem anualmente ao colidirem contra edificações. Sob a orientação de Erika, a aluna da FAU, Ana Paula Tosetti Sapia, desenvolveu um projeto de iniciação científica voltado ao tema, que estudou soluções para edifícios bird-friendly, que minimizem os choques. Segundo a professora, “se tivermos edifícios com uma proteção solar exterior, o pássaro enxerga o revestimento como um anteparo, reduzindo muito o risco de colisão, principalmente em regiões onde o entorno é arborizado”.

Outros desdobramentos do projeto estão sendo avaliados. Após a finalização do doutorado, a pesquisa foi apresentada ao professor Thoroh de Souza, do MackGraphe, que demonstrou interesse no desenvolvimento dessa proteção solar com grafeno, permitindo a geração de energia na própria fachada. Essa etapa demanda experimentos computadorizados e em escala real. “Com o grafeno na composição, talvez seja possível gerar energia e então a pele de vidro teria mais essa função, além de controlar a luz natural”, avalia a pesquisadora.

Erika lembra que a concepção da fachada em um prédio de escritório é sempre uma questão-chave, não apenas do ponto de vista estético mas no aspecto da funcionalidade, levando em conta a entrada de luminosidade e passagem de calor. Se o modelo inovador for produzido em larga escala, daqui a alguns anos poderemos ter peles de vidro não apenas bonitas mas também fundamentais na economia e geração de energia, que possibilitem o conforto ambiental das pessoas e a preservação de milhares de pássaros em todo o mundo.

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