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Professoras do Mackenzie comentam avanços e desafios femininos nas carreiras jurídicas e dão conselhos para estudantes.

No princípio, elas eram a minoria. A primeira turma a se formar na Faculdade de Direito Mackenzie, em 1959, tinha apenas seis moças — os rapazes formavam a maioria do grupo de mais ou menos 70 pessoas. As mulheres não chegavam, portanto, a 10% do total. Cenário bastante diferente do atual. Mais de 60 anos depois, as classes de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie são bem distribuídas em relação ao gênero, com homens e mulheres dividindo de maneira igualitária as salas de aula. Em novembro de 2021, a Instituição comemorou mais um marco da igualdade de gênero no universo jurídico. Patrícia Vanzolini, professora no campus Higienópolis, foi eleita presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para a gestão 2022-2024. É a primeira vez em 91 anos que a seção será presidida por uma mulher. Em Campinas, a nova presidente da Ordem também integra o corpo docente do Mackenzie. Luciana Freitas, eleita pelos advogados da cidade, é professora da graduação em Direito do Centro de Ciência e Tecnologia (CCT) na área de Direito Processual Civil.

Mas ainda há o que conquistar. O mundo do Direito é conhecido pela alta competitividade, e mulheres da área relatam vivências negativas como salários abaixo da média masculina da mesma função e falta de oportunidades profissionais em razão de serem mães ou planejarem a maternidade. Ficar sócia de um grande escritório de advocacia também é mais difícil para elas. “Acredito que isso reflete ainda o preconceito de que a mulher não vai saber gerir. Como eventualmente ela passará pelo período gestacional e pela chegada de um filho, acredita-se que não dará conta de cuidar das obrigações profissionais ou de cargos com maiores atribuições”, aponta Luciana Freitas, professora do CCT e presidente da OAB Campinas.

Igualdade além dos números

Existem dados a sustentar que, no ambiente profissional, as mulheres já encontraram seu lugar de direito. Cerca de metade dos advogados brasileiros são mulheres e, segundo levantamento do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, há um empate técnico de gênero nos escritórios — 51% de homens e 49% de mulheres. Mas esses números não bastam para atestar uma vitória feminina já consolidada. “É um avanço a ser considerado e contemplado com bastante alegria, mas precisamos observar em que condições esse aumento da participação feminina acontece. Igualdade de gênero se verifica não só no número mas também no reconhecimento do trabalho dessas mulheres e na possibilidade de ocuparem cargos de comando, em que elas estejam à frente de decisões importantes para o desenvolvimento do negócio e contribuindo com a diversidade de pensamento”, aponta Alessandra Benedito, professora da Faculdade de Direito.

Segundo a mesma pesquisa, apenas 29% dos cargos de comando em sociedades de advogados são ocupados por mulheres. No Poder público a conjuntura é semelhante. De acordo com o Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2019, as juízas representam 38,8% de todo o quadro em atividade. Nos Tribunais Superiores, elas são 19%. Na segunda instância, o índice sobe para 26%, enquanto na base da carreira, que corresponde ao cargo de juíza substituta, o percentual de representação feminina é 42%. Para a professora Ana Cláudia Scalquette, os dados indicam que a igualdade de gênero ainda está em processo de construção. “A igualdade foi prevista constitucionalmente em 1988, mas nestes 33 anos muita coisa vem acontecendo para que possamos garantir a efetivação da igualdade. As mulheres tiveram que conquistar seus espaços em escritórios, tribunais, cursos jurídicos e empresas que antes eram apenas ambientes predominantemente masculinos. Esse dia a dia foi e está sendo o mais árduo. Feliz será o dia no qual não precisaremos mais celebrar essas conquistas, pois teremos, de fato, colocado em prática o texto constitucional”, observa.

Desafios estruturais

Segundo a professora Luciana, muitos dos desafios femininos estão ligados a questões estruturais do que é ser mulher. “Ainda precisamos provar que a mulher consegue exercer suas atividades em diversas esferas da vida de modo pleno. Também pesa a própria estruturação de vida de que a mulher precisa, porque ela ainda acaba ficando com mais atribuições de casa e filhos”, afirma. “Além de contar com a participação das pessoas com quem ela compartilha a vida, é preciso se apropriar de mais mecanismos, inclusive tecnológicos, para que seu tempo se estruture de forma que ela consiga se realizar em todos os aspectos. A questão da agenda ainda é um grande desafio”, completa.

Para Alessandra, a mulher também enfrenta hostilidades no ambiente profissional, reflexo do machismo estrutural. “É preciso que as falas das mulheres sejam valorizadas nas reuniões e na presença nas instâncias decisórias. Há relatos de silenciamento por homens e falas masculinas que repetem o que uma mulher acabou de falar, mas que, ao ser repetido por um homem, é validado. São fatores que apontam para o tratamento não igualitário”, diz. Segundo a professora, as políticas de ação afirmativa em empresas devem levar em conta vieses inconscientes exercidos no dia a dia, além da conscientização a respeito do prejuízo humano que as empresas têm ao não dar o devido crédito a talentos femininos. “Isso ainda é um desafio: acreditar nesses talentos, reconhecer habilidades e competências da mesma forma que com os homens, não colocar a maternidade como barreira, respeitar o tempo de gestação e licença, porque isso não deve atrapalhar a carreira”, completa.

Além do sexismo, há o racismo estrutural. A professora destaca que, por isso, os desafios enfrentados por mulheres negras são ainda mais pesados. “Elas têm mais dificuldade em ascender e viver de forma igualitária nas carreiras jurídicas. Há uma interseccionalidade entre discriminação de gênero e racial que se coloca como desafio às conquistas e que precisa ser trabalhada tanto na formação dessas mulheres quanto em sua contratação, ascensão e permanência nas organizações”, aponta. “Há diversas questões estruturais, e este momento em que o segmento jurídico tem feito ações afirmativas é ideal para refletir, agir e garantir que essa implementação aconteça e seja real”, afirma Alessandra.

Conselhos para o amanhã

As atuais estudantes de Direito não podem se acanhar com tantos desafios. As professoras consultadas pela Revista Mackenzie fazem recomendações para as alunas do Mackenzie que sonham em galgar os degraus mais altos nas carreiras jurídicas.

Luciana Freitas

NTAI/Mackenzie

Luciana Freitas

NTAI/Mackenzie

“Acredito que a educação é removedora de obstáculos. O preparo e o conhecimento permitem falar que somos competentes sem falarmos isso. Precisamos de conhecimento porque assim temos segurança nas opiniões que proferimos e nas decisões que tomamos. A capacitação é um ponto importante e ajuda na libertação e no reconhecimento da competência dos outros para com a mulher. Esta deve ser uma meta de todas. Para as que ainda são alunas, se preparem para um mercado combativo. Se hoje a gente fala de posição de igualdade, foi às custas de muitos embates, às vezes silenciosos, às vezes raivosos. Mas a gente sobrevive a tudo isso. Conversamos e mostramos o nosso valor, e vocês certamente chegarão a patamares mais altos dos que a minha geração e as gerações anteriores chegaram.”

Alessandra Benedito

NTAI/Mackenzie

Alessandra Benedito

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“Fortaleçam e invistam em sua capacitação e também na autoestima. Não se privem de ir para o debate ou de se colocarem em posições desafiadoras. Não permitam que a discriminação, as microagressões e as invalidações as façam desistir. Em vez disso, persistam. A responsabilidade pela mudança é do conjunto, e também de vocês. Nos últimos anos abrimos a possibilidade para que vocês vislumbrem um futuro onde possam colher os frutos de um ambiente de trabalho igualitário, seja no setor privado ou no público. Procurem mentorias e a troca com outras mulheres. Entendam qual caminho elas fizeram e a partir disso façam escolhas com clareza, se preparando para entrar nesse mercado com responsabilidade.”

Ana Cláudia Scalquette

NTAI/Mackenzie

Ana Cláudia Scalquette

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“A vida acadêmica se desenvolve, em regra, em um ambiente afável. Praticamente todos nós guardamos com carinho esse período de nossas vidas. Portanto, nesse ambiente sadio de aprendizagem, aproveitem o convívio com mulheres docentes, empoderadas, bem-sucedidas em suas respectivas áreas e se engajem em projetos, pois assim conseguiremos mostrar, mais com ações e comportamentos do que com palavras, que estamos em nossos espaços e que podemos exercer com competência papéis de protagonistas no âmbito jurídico, se assim o desejarmos. Com serenidade, trabalho, repúdio a qualquer espécie de assédio e muito diálogo sobre igualdade é que alcançaremos a paridade almejada.”

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