Robinson Grangeiro Monteiro, chanceler do Mackenzie
Foto: NTAI/Mackenzie
A temática da transição energética, sobretudo diante de mudanças climáticas com eventos extremos como atualmente se vê no Rio Grande do Sul, tem sido cada vez mais presente no noticiário nacional e global, assim como nas conversas triviais de pessoas comuns.
Não há dúvidas de que essa é uma prioridade estratégica para discussão e decisões políticas, econômicas e sociais de países, corporações e instituições sociais em geral, inclusive aquelas de educação e saúde, de natureza comunitária, filantrópica e confessional, como o Mackenzie.
Sem querer forçar a barra, como pode parecer ao leitor desatento (ou preconceituoso, por não ver qualquer relação entre fé, religião, ciência em geral e temáticas ambientais, em particular), é preciso dizer que as escrituras judaico-cristãs são pioneiras há milênios em estabelecer normas, códigos e recomendação de natureza ambiental. É possível falar até de um código ambiental na lei de Moisés.
Desde o uso do solo para agricultura e pecuária, evitando a exaustão da terra e promovendo o uso sustentável das fontes de água, essa visão ancestral de mundo parece indicar que o ser humano temente ao Criador deve ser ambientalista por excelência, pelos melhores motivos e com os melhores propósitos.
Obviamente, o termo “ambientalista” está eivado de polissemias atravessadas por visões ideológicas e políticas, agendas econômicas e sociais e, por incrível que possa parecer a alguns, eventualmente também firmadas em crenças religiosas. Basta perceber que grande parte do argumento atual para propugnar pelo cuidado com a natureza passa pela crença na Mãe Terra como um grande organismo vital, eivado da energia da vida.
Na mitologia grega, essa fonte sustentadora do ecossistema global, capilarizado em todos os seres vivos, chama-se Gaia, o elemento primordial de potencial generativo, originado de Eurínome, o mar cósmico, e de Ofíon, a luz, com seus irmãos Tártaro (o abismo), Eros (o amor) e Nix (a noite), conforme Hesíodo canta em seus versos. Como se vê, essa cosmogonia aproxima-se e toca, assim como se afasta e se diferencia do relato da criação judaico-cristão em Gênesis, em um movimento tangencial e elíptico que fundamenta mitologicamente uma ideologia ambiental.
Certamente, nem toda proposta ambiental é religiosa stricto sensu. Muitas são simplesmente utilitaristas, funcionalistas e pragmáticas. É aquela velha ideia de fazer o bem para sentir-se bem ou para garantir o futuro de nossos filhos. Uma espécie de filosofia do “uma mão lava a outra” ou da lei do retorno aplicada à maneira como refletir sobre e como atuar na vida. O resultado comum é que, embora convencido de que é vantajoso ou lucrativo, o Homo ecologicus médio, daqueles de passeata de rua e cartaz na mão, faz muita fumaça (ops!) e produz pouca energia em prol do desenvolvimento sustentável.
Afinal de contas, o que tudo isso tem a ver com o título “Desertos e jardins”? Essas são duas metáforas distintas que caracterizam, por meio da geografia mas não restrita a ela, o ambiente e a situação espiritual de pessoas e comunidades. Desertos remetem a tempos de escassez, aridez e provações na caminhada dos que creem e estão em jornada espiritual. Lugares que se deve atravessar, vencer suas hostilidades e superar como símbolo da maturidade que vem da provação. Nos desertos, batalha-se pela sobrevivência biológica e espiritual. É lugar de não permanecer, nem habitar, mas de aprender lições de um jardim que se deseja, pois, frequentemente, a esperança dos que creem é fundamentada nas promessas divinas de que o destino escatológico do deserto é encontrar uma terra que mana leite e mel.
No entanto, a palavra hebraica “jardim” não significa lugar aprazível apenas porque é esteticamente belo com suas flores e cores diversas, como se fosse um paisagismo urbano no meio dos desertos de concreto. Os jardins bíblicos são pomares produtivos de vida, subsistência, cultivo e semeadura para novas colheitas, além de fonte de descanso para animais terrestres e aves, em busca das fontes de águas que lhe trazem vigor e fazem a vida vicejar. Nada mais ecologicamente sustentável!
É nesse lugar idílico, chamado Éden, que a humanidade tem sua origem com mandato cultural — e ecológico! — muito claro: “cultivar e guardar” ou, simplesmente, mantê-lo harmônico e produtivo para o bem de toda a criação, sobretudo dos seres humanos. É no jardim que tudo começa. Um jardim expandido para todo o planeta por meio da produção sustentável. Se hoje vivemos em desertos de todas as espécies, inclusive desertificações ambientais, é porque aquele casal ambientalista não fez o que hoje se corre atrás para se tentar refazer.
Por quarenta outras vezes, esse pomar florido e frutífero é mencionado nas Escrituras Sagradas até que chega ao apocalipse, nome aterrorizante e sinônimo do caos completo, no qual a humanidade destruída por pandemias, guerras, fomes etc. terá ultrapassado o ponto do não retorno, inclusive espiritual. Contudo, mesmo lá, o Deus que criou tudo também recriará novos céus e nova terra. Ele renovará todas as coisas e a figura simbólica que o eschaton traz não é outra, senão o de um jardim restaurado, cujo centro é a árvore da vida e cujas folhas servem para a cura das nações.
De um jardim que, malcuidado, virou deserto para um deserto que, restaurado, torna-se um jardim renovado, a humanidade constrói sua jornada na terra chamada história. Em nenhum outro ponto desse épico de sobrevivência, o ser humano tem a oportunidade e o dever mais premente de contribuir para a guarda e o cultivo do jardim do Criador, o planeta onde Ele nos deu habitação.