Palavra do chanceler

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Título: É proibido proibir
Elemento decorativo
Robinson Grangeiro Monteiro

Robinson Grangeiro Monteiro, chanceler do Mackenzie.

Foto: NTAI/Mackenzie

O ano era 1968. A cidade, Paris. Os autores, universitários que picharam no muro com o lema da rebelião contra tudo e todos, que varreu a Europa e cruzou oceanos. Do lado de cá do Atlântico, virou canção de Caetano Veloso, inscrita no III Festival Internacional da Canção (FIC), e, segundo alguns, o auge e o começo do fim da Tropicália que, finalmente, se assumira como movimento cultural revolucionário.

A canção teria passado em branco ao público, se não fossem as roupas futuristas e os trinados psicodélicos dos Mutantes, a gesticulação histriônica de Caetano Veloso e a ruidosa participação de John Dandurand, um músico estadunidense, que transformou o que era até então perplexidade em reação violenta da plateia. Em seus quase dois metros de altura e coberto por uma capa preta, Dandurand adentrou o palco, pulando, emitindo berros lancinantes, enquanto Caetano bradava “Deus está solto”. As vaias foram seguidas por ovos, tomates e garrafas, e o happening pretendido por Caetano Veloso culminou com seu célebre discurso proposto por uma pergunta: “Mas é esta a juventude que quer tomar o poder?”.

Alguns afirmam que a juventude de nossos dias em comparação a décadas atrás foi domesticada pelas rédeas do individualismo e do consumismo, pouco afeita que está a causas revolucionárias. Acho que não. Vejo movimentações por causas ambientais e identitárias que, via em regra, militam por direitos à existência, ao respeito e à tolerância, na linha da saúde, do bem-estar e da sustentabilidade para todos, inclusive das próximas gerações.

Nesse contexto, refletir sobre o que se coloca para dentro do próprio corpo parece um ponto fora da curva no mixing ideológico da juventude atual. A síntese dessa colisão é um produto, verdadeiro drible mercadológico nas campanhas de saúde pública contra o tabagismo, e que atende pelo nome genérico de cigarro eletrônico.

Aparentemente, o retorno às atividades presenciais para a juventude escancarou uma tendência que já estava a pleno vapor nos ambientes fechados pelo isolamento social e que alguns entendem ser a velha fuga de simbolicamente sugar o seio perdido na ponta de um cigarro. O fato é que tem se tornado um caso de saúde pública, com direito a quadro do Fantástico e campanhas do tipo “desligue o cigarro eletrônico”.

Seria o caso de voltar a discutir se é válido o discurso do “é proibido proibir” aplicado ao cigarro eletrônico? Afinal de contas, contraditoriamente, o próprio cigarro tradicional goza de status legal — coisa que o eletrônico ainda nem tem! — e traz malefícios ainda maiores e já comprovados, razão pela qual tem tributação alta e regulação de propaganda cada vez mais rígida.

Acredito que não. Entendo que o cigarro eletrônico, mercadologicamente vetorizado para atrair adolescentes e jovens com aromatizações e glamourizações diversas, deve ser fortemente combatido em nome da intolerância com o intolerável. No caso, uma indústria de morte encantando com o sibilar já conhecido de uma serpente: “É certo que não morrerás!”.

A questão é como fazer isso. Como se sabe, proibir por proibir não resolve as questões de fundo, apenas elicia ainda mais o desejo. É preciso educação, conscientização, multiplicação e mobilização para a formação de opinião crítica, que inverta a tendência e demonstre fatos médicos irrefutáveis, apontando a falácia perigosa do cigarro eletrônico.

Do ponto de vista da Chancelaria do Mackenzie, cujo ideário é cumprir e promover o cumprimento da missão institucional de “educar e cuidar do ser humano, criado à imagem de Deus, para o exercício da cidadania plena, em ambiente de fé cristã reformada”, a premissa básica é que a angústia do distanciamento de Deus é a causa principal de todo comportamento humano que, diferentemente de qualquer outro animal da natureza, ingere de forma consciente substâncias que lhe farão mal.

Esse contrassenso existencial de um suicídio lento e progressivo não pode ter outra origem, embora se presentifique na vida de cada um por meio de traumas e clivagens muito mal resolvidas na história pessoal. Soluções-tampão superficiais e temporárias, aparentemente saudáveis ou claramente nocivas, não resolvem a necessidade do transplante no centro da existência humana, que é o coração daquele que foi criado para adorar, amar e servir ao seu Criador.

Em 1968, eu tinha 3 anos. Ainda tenho a memória olfativa do cheiro da loção de barbear Bozzano do meu pai, misturada com um cheiro esquisito, que depois identificaria como subproduto da fumaça dos dois maços de cigarro diários.

Em 1994, no mesmo dia e ano que o Brasil chorava a morte do ídolo Ayrton Senna, eu chorava a morte do meu painho por um infarte fulminante aos 57 anos, a mesma idade que tenho agora. Lembro dele me contar que, proibido de fumar pelos médicos, nos oito anos seguintes à sua abstinência mandatória, acordava de madrugada sobressaltado com o cheiro e o gosto da fumaça, tal era a dependência física e psicológica.

Hoje, não tenho a alegria de vê-lo conhecendo seus netos, e não terei de vê-lo conhecendo meus netos. Sei que é um apelo emocional para desligar essa ideia, mas não é de emoções boas e saudáveis que a vida se constitui e nos motiva a viver?

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