Como a ciência econômica pode nos ajudar a entender os movimentos erráticos recentes do mercado de petróleo?

Depois de tentativas frustradas de coordenar cortes na produção nos países da OPEP+, a Arábia Saudita, no início de março, acenou com o aumento da produção e descontos no preço do produto, que derrubaram a cotação do petróleo e abalaram os mercados financeiros internacionais

30.04.202009h47 Paulo Scarano e Pedro Vartanian

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Como a ciência econômica pode nos ajudar a entender os movimentos erráticos recentes do mercado de petróleo?

O ano de 2020 começou com o preço do petróleo a mais de US$65 o barril. No entanto, uma pandemia com potencial para afetar significativamente a atividade global já estava sendo gestada. Em função disso, a tendência dos preços do petróleo foi de queda, desde o início do ano. Depois de tentativas frustradas de coordenar cortes na produção nos países da OPEP+, a Arábia Saudita, no início de março, acenou com o aumento da produção e descontos no preço do produto, que derrubaram a cotação do petróleo e abalaram os mercados financeiros internacionais. O governo dos Estados Unidos, economia que é a maior consumidora mundial do produto, passou a pressionar pela manutenção de preços mais elevados da commodity, em aparente conflito com os interesses dos consumidores de seu país. Por fim, no segundo decêndio de abril, um evento inédito: os preços do petróleo no mercado futuro norte-americano se tornaram negativos.

Diante deste cenário errático, o objetivo deste breve texto é mostrar como algumas ferramentas básicas discutidas no curso de Economia ajudam a compreender os movimentos recentes - do primeiro quadrimestre de 2020 - no mercado de petróleo. Para tanto, elaboramos um esquema analítico, utilizando algumas ferramentas básicas do instrumental do curso de Economia, para tentar explicar o que está acontecendo no mercado de petróleo. Basicamente, utilizaremos os diagramas de oferta e demanda agregadas de petróleo, para representar o que acontece no mundo real. Vale ressaltar que estamos utilizando apenas modelos e que, portanto, não foram estimadas as reais elasticidades.

Assumimos que a demanda de petróleo é relativamente inelástica no curto prazo (a exemplo da representação gráfica abaixo). Observamos, ainda, que entre janeiro de 2019 e abril de 2020, o preço médio do barril petróleo do tipo Brent foi de aproximadamente US$60, com a demanda diária de quase 100 milhões de barris, antes do agravamento da crise do coronavírus. A figura abaixo procura representar este equilíbrio. Assim, por simplificação, o faturamento diário dos produtores mundiais de petróleo era de US$6 bi (US$60 por barril X 100 milhões de barris diários).

 

No entanto, com o agravamento da crise sanitária, há uma estimativa de que a demanda de petróleo deva cair, em média, 9,7 milhões de barris por dia, ao longo de 2020, em função da drástica redução na quantidade de voos, queda do número de automóveis nas ruas e diminuição da produção de bens (sobretudo não essenciais). Vale ressaltar que isso deve gerar um deslocamento da curva de demanda, mas não uma mudança significativa em seu grau de elasticidade. Nesse sentido, dizemos que um bem possui demanda relativamente inelástica quando uma mudança nos preços não implica alteração mais que proporcional em seu consumo. No caso do petróleo, isso ocorre porque a energia termoelétrica (muito utilizada em grande parte dos países do mundo) continua sendo gerada para abastecer a população (uma vez que parcela da produção de bens e serviços precisa ser mantida, hospitais precisam de energia, residências passam a consumir mais energia etc.). A figura abaixo é uma mera representação estilizada dos efeitos da queda da demanda de petróleo.

 

 

Vale ressaltar que a maior parte dos grandes exportadores de petróleo é muito dependente de importações de uma grande variedade de bens e serviços. Em geral são economias pouco complexas, ou seja, que exportam uma baixa diversidade de bens. Além disso, as mercadorias que exportam ou são produzidas por muitos países ou, quando são produzidas por poucos exportadores, são mercadorias escassamente distribuídas pelo globo, mas que não ampliam significativamente as possibilidades produtivas desses países (em um caso semelhante ao que acontece com os diamantes do Congo).

Em um ambiente de preços do petróleo em queda e impulsionados por suas necessidades de importação, a lógica individual dos produtores não vinculados ao cartel da OPEP foi de tentar compensar na quantidade produzida aquilo que perderam no preço de sua commodity. Para refrear esse movimento, a Arábia Saudita - país que possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo e o menor custo na extração do produto - há algum tempo vinha liderando negociações, entre exportadores vinculados ou não à OPEP, pela redução da produção de petróleo para forçar um aumento de preços. Até março, essa negociação encontrou resistências, sobretudo da Rússia. Assim, no início de março de 2020, a Arábia Saudita utilizou uma estratégia de força, baseada em seus baixos custos de produção e decidiu elevar a extração e oferecer seu petróleo cru com desconto. O movimento saudita poderia, no limite, expulsar ou impor importantes prejuízos a países com custos mais elevados de produção. Tal estratégia, por um lado, trouxe os russos de volta à mesa de negociações e, de outro lado, gerou uma forte pressão dos EUA, que ameaçaram impor tarifas ao petróleo saudita e passaram a pressionar por um acordo para a redução da produção de petróleo e a sustentação de preços mais elevados para o produto.

Nesse ponto, vale uma explicação para a posicionamento norte-americano por um acordo que sustentasse o preço do petróleo. Os EUA são o maior produtor do mundo de um bem substituto, o óleo de xisto, que é apontado como estratégico para a segurança energética do país e é produzido por companhias privadas. Estima-se que o break even deste produto, nos EUA, esteja em torno de US$45 por barril, de modo que preços como os praticados em março, que chegaram a ficar abaixo dos US$30 por barril, podem impor dificuldades financeiras para empresas americanas que exploram o produto. Além disso, estima-se que 20% dos títulos corporativos norte-americanos emitidos sejam de empresas que exploram o óleo de xisto.  A queda dos preços do petróleo pode rebaixar o grau de investimento de tais títulos, dificultando sua rolagem e complicando a sustentabilidade financeira dessas empresas. Este é mais um indício dos motivos da pressão norte-americana sobre os países produtores de petróleo para um acordo.

Assim, na semana do dia 12 de abril, os principais países exportadores de petróleo chegaram a um acordo de corte na produção da ordem de 10%. Dado um patamar de demanda mais reduzido, cortes na produção por parte dos países exportadores de petróleo, podem recompor, pelo em menos parte, o faturamento perdido. Isso acontece por se tratar de um produto cuja demanda é de natureza mais inelástica.

A figura abaixo ilustra, de maneira estilizada, o argumento. Nesse exemplo hipotético, quando o equilíbrio A era dado pelas curvas de oferta e demanda pontilhadas em rosa ao preço de US$60 por barril eram negociados 100 milhões de barris por dia, o que gerava para o conjunto dos produtores um faturamento de US$ 6 bi. Com a redução da demanda (apontada no gráfico, com a nova curva de demanda representada em verde) e mantida a oferta em 100 milhões de barris diários (curva de oferta pontilhada em rosa), o preço cai para aproximadamente US$30 por barril (ponto B, no gráfico), reduzindo o faturamento do conjunto de produtores para US$ 3 bi. Após o acordo para reduzir a oferta para 90 milhões de barris por dia, os preços, no exemplo, se reequilibram em US$50 (ponto C), o que recupera parcialmente o faturamento anterior, chegando ao nível de US$ 4,5 bi.

 

 

Uma última questão relacionada a este mercado que pode ter gerado perplexidade foi o “preço negativo” do petróleo norte-americano. Na verdade, tratou-se do preço em 20 de abril de 2020, às 17:00h, de um contrato futuro no mercado americano de petróleo para maio, em seu último dia de negociação antes do vencimento.

O problema é que aqueles contratos especificavam que os compradores de petróleo no mercado futuro deveriam receber fisicamente a mercadoria e, portanto, precisariam de um local para estocá-la. Com queda da demanda do produto associada à crise sanitária e com os estoques repletos nos EUA, surgiu o problema de escassez de espaço para armazenamento e, consequentemente, elevados custos para guardar a mercadoria. Nesse cenário, quem tinha posição comprada em contratos futuros de petróleo procurou vender esses papéis (na verdade, pagar para se livrar desses contratos), para não ter que lidar com os custos relacionados ao armazenamento. Assim, pode-se dizer que o preço negativo do ativo refletiu o conjunto de custos que o adquirente do contrato teria que arcar (incluindo o armazenamento e o tempo para a venda do óleo estocado) ao receber o produto. Desse modo, esse movimento, embora raro, não representa nenhuma anomalia relativa às leis econômicas.

Como vimos, ferramentas simples estudadas no curso de Economia podem ser utilizadas para ajudar na compreensão de fenômenos relevantes do mundo real. O objetivo do presente texto foi criar um incentivo para que os estudantes utilizem as ferramentas estudadas ao longo de seus cursos para conectar a teoria e o mundo real, motivando-os a aprofundar seus estudos, incorporando progressivamente ferramentas mais sofisticadas ao seu repertório.

 

Por Prof. Paulo Rogério Scarano e Prof. Pedro Raffy Vartanian