ANÁLISE DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 137, DE 2015 - OBSERVATÓRIO DO LEGISLATIVO

28.06.201814h12 Clayton Vinicius Pegoraro de Araújo, Elton Duarte Batalha, Maurício Loboda Fronzaglia e Paulo Rogério Scarano

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ANÁLISE DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 137, DE 2015 - OBSERVATÓRIO DO LEGISLATIVO

OBSERVATÓRIO DO LEGISLATIVO

ANÁLISE DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 137, DE 2015

AUTORIA: Senador Flexa Ribeiro

PARTIDO: PSDB

ESTADO: Paraíba

 

1 - Apresentação do Projeto de Lei Complementar 137/2015

O Projeto de Lei Complementar 137/2015 origina-se no Projeto de Lei do Senado - PLS

199/2015, de autoria do Senador Flexa Ribeiro, do PSDB da Paraíba. O Projeto dispõe sobre

o procedimento para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios na

federação brasileira. De fato, o PLS foi aprovado pelo Senado Federal no começo do ano de

2015 por 57 votos a favor e 9 votos contrários. O Projeto deu entrada na Mesa Diretora da

Câmara dos Deputados em abril de 2015. Posteriormente foi encaminhado às comissões

Trabalho, de Administração e de Serviço Público; Integração Nacional, Desenvolvimento

Regional e da Amazônia; Desenvolvimento Urbano; Finanças e Tributação e Constituição e

Justiça e de Cidadania. Por tratar-se de assunto de competência de mais de 3 comissões, foi

instituída uma Comissão Especial.

No mês de maio de 2018, mais de três anos depois da sua apresentação à Mesa da Câmara

Federal, a Comissão Especial aprovou, de forma unânime, às novas regras para a criação de

municípios. O texto aprovado, segundo o próprio site do Senado Federal, é idêntico ao PLP

397/14 e que foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff com a justificativa que

acarretaria dificuldades financeiras não gerenciáveis para estados e municípios.

O Projeto aguarda votação no plenário da Câmara e foi encaminhado em regime de

urgência e constava como pauta das sessões plenárias de 22 e 23 de maio do corrente ano e

só não foi apreciado pelo encerramento das respectivas sessões.

2 - Análise jurídica

O Projeto de Lei Complementar (PL) nº 137, de 2015, tramita em regime de urgência na

Câmara dos Deputados, tendo como finalidade disciplinar o disposto no artigo 18, § 4º, da

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Constituição da República de 1988, relativo à criação, incorporação, fusão e

desmembramento de municípios. O dispositivo mencionado determina o seguinte:

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios,

far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar

Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos

Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal,

apresentados e publicados na forma da lei

A Emenda Constitucional nº 15, de 1996, alterou o parágrafo 4º do artigo 18 do Texto

Maior, condicionando tais alterações na estrutura municipal à edição de lei complementar

federal, algo que não ocorrera até então. O texto do dispositivo anterior à aludida Emenda

dispunha que:

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios

preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano,

far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em Lei Complementar

estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações

diretamente interessadas.

A Emenda Constitucional nº 57, de 2008, por sua vez, acrescentou o artigo 96 ao Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), convalidando as mudanças estruturais de

municípios determinadas por lei publicada até 31 de dezembro de 2006, com base em

legislação estadual, a despeito da existência de críticas doutrinárias a tal medida. O referido

dispositivo estatui o seguinte:

Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e

desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro

de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à

época de sua criação

Importante notar que o novo regramento, se aprovado, pautará a possibilidade de criação

de municípios com base em dois critérios principais: viabilidade municipal (nos âmbitos

econômico-financeiro, político-administrativo e socioambiental e urbano) e população (ao

menos 6.000 habitantes no Norte e no Centro-Oeste, 12.000 no Nordeste e 20.000 no Sul e

Sudeste).

Observa-se, portanto, que a inexistência de lei complementar federal impossibilita, em

regra, a criação de municípios, dada a evidente inconstitucionalidade de lei estadual nesse

sentido, por vício formal, em decorrência da eficácia limitada da norma constitucional. A

partir do momento em que o regramento federal for editado, a criação, a incorporação, a

fusão e o desmembramento de municípios poderão ocorrer desde que observados os

critérios antes mencionados, atinentes à população e à viabilidade municipal. O fim da

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inércia do legislador infraconstitucional, destarte, abre caminho para a gênese de

municípios, com claras consequências políticas e econômicas.

Consequências estas que deverão gerar impactos severos nas contas públicas com a criação

de novas “câmaras municipais” e toda estrutura administrativa que acompanha os novos

municípios. Certamente uma oneração, ao já combalido, fundo de participação dos

municípios.

3 - Análise política

Os municípios brasileiros passam a ser considerados entes federativos a partir da

Constituição de 1988 juntando-se aos estados e a União. Tal fato pode ser considerado uma

vitória nas reivindicações dos municipalistas e dos apoiadores da descentralização do poder

e das políticas públicas. Posteriormente foi possível perceber um período de protagonismo

dos municípios, tanto na política interna quanto na própria busca pela inserção

internacional. Exemplo é a criação da FNP - Frente Nacional de Prefeitos, criada no ano de

1989. Ao longo da história política nacional existem momentos de maior centralização e

momentos de maior protagonismo dos entes federados. Contudo, apenas a partir da última

constituição que o período de maior descentralização conta com maior ação dos municípios.

A criação ou emancipação de novas municipalidades tem como justificativa principal os

benefícios decorridos de uma maior proximidade entre o governo e a sociedade. Quanto

mais próximo da sociedade é o governo, maior seria sua eficiência, melhor seria a gestão

dos recursos, maior seria a transparência das suas ações e maior seria, também, o controle

exercido pela sociedade sobre o poder público. No entanto, essas relações não se mostram

necessariamente verdadeiras. Na área da educação não há uma correlação direta e

comprovada entre descentralização ou municipalização e melhor desempenho nas

avaliações e na qualidade de ensino (IDEB, Saeb e Prova Brasil). Além disso, em muitos

casos, é nos municípios que se encontram às forças de manutenção e reprodução de

relações coronelistas e neo coronelistas.

O movimento emancipacionista que no presente se articula e que pressiona pela aprovação

do Projeto de Lei Complementar 137 tem abrangência nacional e pode ser tanto a expressão

de demandas de localidades que se encontram por demais isoladas e distantes das

estruturas mínimas do poder público quanto pode ser também a expressão de interesses de

grupos políticos locais que buscam, na criação ou emancipação de novos municípios,

fortalecerem seu poder ou estabelecerem novas base de poder. A criação de novos

municípios necessita de construção e implementação de novas estruturas de poder:

prefeituras, escolas, secretarias, uma quantidade considerável de cargos de confiança e

acesso a recursos de impostos e do Fundo de Participação dos Estados e Municípios. Esta

estrutura de poder e o acesso a recursos de poder configuram-se como uma capital político

importante.

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Finalmente deve ser (ainda) levada em consideração a questão do federalismo brasileiro.

Ainda que estruturado de forma distinta do modelo padrão norte americano, o federalismo

é um elemento essencial de estruturação da nossa vida política. A república brasileira foi

criada através do federalismo e nele se baseou em seu primeiro período. A constituição de

1988 moldou nosso atual pacto federativo que já apresenta sinais de desgaste. O

movimento emancipacionista pode comprometer o nosso já frágil equilíbrio federativo.

4 - Análise econômica

O projeto de lei 137/2015 afeta negativamente a liberdade econômica ao facilitar a criação

de novos municípios e, consequentemente, novas estruturas burocráticas municipais, que

demandarão mais funcionários públicos e gerarão mais custos operacionais. Levantamento

recente do Tesouro Nacional1 mostrou que as transferências correspondem a mais de 75%

da receita orçamentária em 82% dos municípios brasileiros, sendo a maior fonte de recursos

proveniente do Fundo de Participação dos Municípios.

A Constituição Federal, após diversas emendas sobre o tema, hoje destina 24,5% dos

recursos arrecadados do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI), ao Fundo de Participação dos Municípios . Os recursos desse fundo são

distribuídos por faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente, cujo critério

de cálculo é definido por lei e leva em consideração a renda per capita do estado e a relação

entre o coeficiente do município e a soma de coeficientes de todos os municípios do estado.

As faixas populacionais são apresentadas a seguir, valendo destacar que cerca de 70% dos

municípios no Brasil têm até 20.000 habitantes.

1 TESOURO NACIONAL. As transferências correspondem a mais de 75% da receita orçamentária

em 82% dos municípios brasileiros. Disponível em:

www.tesouro.fazenda.gov.br/-/transferencias-correspondem-a-mais-de-75-da-receita-orcament

aria-em-82-dos-municipios-brasileiros?redirect=https%3A%2F%2Fwww.tesouro.fazenda.gov.br%2Fh

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Acesso em: 22 jun. 2018.

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Faixa de habitantes Faixa de habitantes

Até 10.188 De 61.129 a 71.316

De 10.189 a 13.584 De 71.317 a 81.504

De 13.585 a 16.980 De 81.505 a 91.692

De 16.981 a 23.772 De 91.693 a 10.1880

De 23.773 a 30.564 De 101.881 a 115.464

De 30.565 a 37.356 De 115.465 a 129.048

De 37.357 a 44.148 De 129.049 a 142.632

De 44.149 a 50.940 De 142.633 a 156.216

De 50.941 a 61.128 Acima de 156.216

A criação de novos municípios, em geral de pequeno porte, em um primeiro momento, gera

a divisão do mesmo fundo por um número maior de municípios, reduzindo o volume de

recursos para os municípios previamente existentes e desequilibrando a distribuição de

recursos dentro da Unidade da Federação. Além disso, como bem apontam Gomes e Mac

Dowell (2000)2, a criação desenfreada de municípios tende: a transferir recursos originados

em municípios grandes para os pequenos, desestimulando a produção nos primeiros sem

necessariamente estimulá-la nos outros; a prejudicar a população dos municípios dos quais

os recursos foram subtraídos para, frequentemente, beneficiar uma pequena parcela da

população (não necessariamente a mais pobre) desses novos municípios; e a consumir

recursos com atividades meio, em detrimento de investimentos e programas sociais.

Desse modo, entendemos que o Projeto de Lei Complementar 137/2015, ao criar regras que

favorecem a criação de municípios, afeta negativamente a liberdade econômica. Em um

primeiro momento, isso acontece por aumentar a estrutura burocrática do Estado,

transferindo recursos para as atividades meio que serão criadas nos municípios criados. Em

um segundo momento, a menor parcela do fundo que caberá a cada município, em função

do maior número de municípios pelos quais os recursos precisarão ser divididos gerará

pressão pelo aumento do Fundo de Participação dos Municípios. A esse respeito, vale

ressaltar que tramita na Câmara dos Deputados projeto de emenda constitucional já

aprovada no Senado, a PEC 391/2017, que propõe aumentar a parcela do IR e do IPI

2 GOMES, Gustavo Maia; DOWELL, Mac; CRISTINA, Maria. Descentralização política, federalismo

fiscal e criação de municípios: o que é mau para o econômico nem sempre é bom para o social.

Texto para discussão nº 706 . Brasília: IPEA, fev. 2000.

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destinada ao Fundo de Participação dos Municípios. Se a PEC 391/2017 for aprovada, isso

ocorrerá em detrimento de parcela de arrecadação da União. Como o governo federal

também enfrenta dificuldades fiscais crônicas, há grandes chances de pressões por aumento

de impostos, reduzindo ainda mais a liberdade do cidadão dispor de seus recursos.

 

 

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