A América do Sul está no caminho da servidão?

17.09.202015h14 Dérick Lopes Benevides 

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A América do Sul está no caminho da servidão?

O século XX, assim como no início do século XXI, foi um período mundialmente marcado por conflitos ideológicos, desde a bipolarização realizada na guerra fria até os dias atuais. Na história da América do Sul não foi diferente, houve diversos governos que penderam para o lado do populismo autoritário e tentaram fazer com que a sociedade trilhasse o caminho da servidão. Todos esses governos compartilhavam características que incentivavam a servidão tal qual descrita por Hayek. Na Bolívia por Evo Morales, governando o país de 2006 a 2019. Hugo Chávez governando a Venezuela por 14 anos, os mandatos dos Kirschner na Argentina, assim como os mandatos do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil. Uma forte características compartilhada entre os governos citados é justamente o flerte constante com ideologias socialistas atreladas a políticas de caráter populista. Tais características nem sempre são escancaradas, pois muitas vezes elas surgem de modo sorrateiro e indireto, mas a sua existência no plano concreto da realidade diária é inconteste.

Todavia, tais regimes de esquerda na América Latina possuem suas diferenças de medidas socialistas e populistas, um dos casos mais claros é o estatista governo Chavista e de Maduro na Venezuela, declarando guerra a empresas multinacionais e outras empresas nacionais, no qual traçou a sociedade a calamidade (mais detalhes deste caso se encontra ao decorrer do texto), na Bolívia, Morales durante o período de 2005 até 2016 expropriou mais de 20 empresas estrangeiras, realizou também estatizações de campos de petróleo e gás natural, porém não foram do tipo que transferiram ao estado o controle total, mas sim a fatia majoritária das ações.

Enquanto os Kirchner governavam a Argentina entre 2003 a 2015, período marcado pelo populismo, inflacionismo e intervencionismo, um dos casos mais impactantes de degeneração institucional ocorreu no ano de 2007, período em que o governo utilizou forças policiais para tomar o controle do Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC) e realizou a troca dos responsáveis por calcular a inflação. O resultado é conhecido atualmente: diversas manipulações referente a inflação deste período foram registradas, abalando não só a credibilidade do seu povo com o governo mas também com o mundo.

No Brasil, há forte indícios de medidas populistas, como foi o caso da política de congelar o preço dos combustíveis, que obrigou a Petrobras a vender para as distribuidores gasolina e diesel abaixo do preço que foram importados, fazendo com que prejudicasse o capital estatal, provocando um prejuízo entorno de R$ 60 bilhões. Claramente a medida teve o propósito de iludir a população com claros fins eleitorais, pois passou adiante uma falsa percepcção de aumento do poder de aquisitivo. No final ds contas, a própria população pagou o preço de tal medida com aumentos constantes no preço dos combustíveis atrelado ao rombo nos cofres públicos.

Não é novidade que o controle governamental, diretamente relacionado com o tamanho do Estado, é um dos fatores indiretos que nos coloca no caminho da servidão. Um grande exemplo disso é o atual sistema previdenciário brasileiro que permite interferência direta do governo na esfera da liberdade individual. Na atual configuração, uma espécie de “tributo” (jocosamente chamado de contribuição) é estipulado como obrigatório para todos que trabalham formalmente. Caso não haja contribuição para o sistema previdenciário, o indivíduo é considerado culpado do crime de sonegação de contribuição previdenciária.  Nessa linha, segundo o relatório realizado pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais)no ano de 2018, mais da metade da população brasileira (56%) dependem somente da previdência social para o sustento da velhice. Outro ponto característico e asfixiante do governo brasileiro é a diversificação das agências reguladoras presentes em múltiplos setores da economia, que servem como verdadeiros entraves ao desenvolvimento das empresas.

Conforme afirma F. Hayek (Pág.131) grande parte do comportamento dos indivíduos é moldado pelas próprias medidas danosas (incentivos perversos) de natureza econômica. Tais medidas podem ser observadas por meio da destruição das bases da economia de livre mercado, onde o poder criador de uma civilização livre é repreendido à medida que a liberdade dos indivíduos é sufocada e até mesmo o caráter de um povo é moldado. Foi assim que os idéarios coletivistas que hoje nos rondeiam, encontraram terreno fértil para a espalhar o seu credo. fato que contribuiu para a pavimentação do atual caminho da servidão que está sendo trilhado.

O socialismo venezuelano chavista é um dos exemplos de servidão mais concretos já vivenciados na América do Sul, e os seus resultados mais concretos e amargos têm sidos experimentados atualmente pela combalida população venezuelana. O exemplo venezuelano configura-se como um verdadeiro tutorial de como solapar a estrutura de um país por meio de medidas como controle de preços, estatização de fábricas e comércio e impressão irresponsável de dinheiro. Tais medidas provocaram uma constante supressão à liberdade individual da maioria dos cidadãos venezuelanos.

Apesar da maioria sofrer as consequências de trilhar o caminho da servidão, é verdade que ainda há uma minúscula parcela da população, ou seja, aliados do governo (elite socialista),  para os quais a realidade é bem diferente em relação da grande maioria da população que passa por uma vasta escassez e racionamento de diversos itens, até mesmo tratando-se dos mais básicos ou  e essenciais como a água.

Hayek já chamava a atenção para os efeitos danosos da junção de objetivos políticos e objetivos econômicos, pois é certo que tais itens são fundamentais para a liberdade individual, mas coletivistas tendem a atacar tal separação, pois quanto mais a sociedade “dá espaço” para o Estado tomar conta das responsabilidades dos indivíduos mais pavimentado está o caminho para o regime totalitário, pois esse tipo de regime é o instrumento mais eficaz de coerção e de imposição de ideias, proporcionando menos liberdade econômica e política. A degradação das liberdades é uma consequência inevitável da tentativa de planificação socialista.

É possível dizer, unanimemente, que grandes governos estatistas que apresentam consideráveis tendências para realizar intervenções na economia, sofrem de uma mazela incontestável: a falta de todo o conhecimento para planejar. Hayek trata com maestria a questão do problema do conhecimento, em que quanto mais complexo o todo, mais se faz necessário a divisão de conhecimentos entre indivíduos, ou seja, um pequeno grupo de governantes não é capaz de tomar atitudes com propósito de atender plenamente as necessidades do todo. Somente os indivíduos sabem o que é melhor para si, de modo que o Estado (planejador central) falhará miseravelmente tentando determinar o que é melhor para todos, e quais as maneiras mais eficientes de alocar os recursos necessários para satisfação dessas necessidades.  Tanto mais o Estado tente regular o mercado e coordenar os interesses pessoais de cada membro da sociedade, arrogando para si a função de definir o que é ou não prioritário, tanto mais continuaremos a seguir pelo caminho da servidão.

Não resta dúvida que a América so Sul se encontra trilhando o caminho da servidão. No entanto,  é possível dizer que estejamos fadados a seguir esse caminho para sempre? 

Por mais nebuloso que seja o histórico da América do Sul, um movimento, principalmente no Brasil, de ressurgimento do pensamento liberal começou a ganhar força no início do século XXI trazendo consigo alguma esperança de mudança. Espera-se que o ressurgimento do interesse pelas ideias e conceitos do liberalismo se traduza na construção de um caminho alternativo ao caminho da servidão. Tal construção começa com o surgimento de uma nova geração de estudantes, professores, intlectuais públicos que se interessem pelos valores e ideias de liberdade. O segundo passo será traduzir tais valores para a sociedade civil e trabalhar para que sejam compreendidos e livremente internalizados. No entanto, mais do que nunca é preciso vencer a guerra cultural primeiro, para só assim tornar o "Caminho da Liberdade" a escolha mais natural para todos.

Por fim, podemos de modo geral dizer que a pergunta feito no início do texto pode ser facilmente respondida pelo próprio Hayek:

“Não há outra alternativa: ou a ordem estabelecida pela disciplina impessoal do mercado, ou a ordem comandada pelo arbítrio de alguns indivíduos e aqueles que se empenham em destruir a primeira estão ajudando, consciente ou inconscientemente, a criar a segunda”. (Pág. 189)

Desse modo, como cidadãos sul-americanos conscientes de nossa história e dos males trazidos pelo coletivismo, é forçoso concluir que a decisão de continuar ou não no caminho da servidão está mais do que nunca em nossas mãos.  

 

Por: Dérick Lopes Benevides 

Estudante de Economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie  

Bolsista no Centro Mackenzie de Liberdade Econômica

Bibliografia

HAYEK, Friedrich August. O caminho da servidão. LVM Editora, 2017.

 

Creditos da imagem: Eleanor Shakespeare em: https://www.economist.com/briefing/2019/05/09/populism-and-polarisation-threaten-latin-america