Tabelamento de frete, fiscalização e distorções: de volta ao passado

21.09.2018

Vladimir Fernandes Maciel | Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica


Imagine duas pessoas: Pedro e Paulo. Paulo é portador de uma “causa justa”: é um motorista que financiou um caminhão pelo Programa ModerFrota, tem ainda muitos anos de prestação a pagar, sofre com a concorrência de outros caminhoneiros, enfrenta o preço do diesel cada vez mais caro e percebe que o poder de compra de sua renda está diminuindo. Parece ser cada vez mais difícil manter o padrão de vida anterior uma vez que é preciso dirigir muito mais quilômetros para manter o padrão de vida que conseguia anteriormente. Muitos ficam solidários com Paulo, afinal de contas a vida de um caminhoneiro não é fácil – assim como de outros trabalhadores no Brasil.

De outro lado há Pedro. Pedro é dono de uma transportadora. As empresas transportadoras se constituem em um forte e organizado grupo de interesses no país. Um dos exemplos importantes é a Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Entendendo o poder de mercado, seja para contratar os caminhoneiros seja para influenciar as decisões do governo, muitas pessoas veem essas empresas de forma antipática. Pedro sabe disso e prefere atuar nos bastidores e de forma discreta.

Paulo, o caminhoneiro, fez greve, mobilizou outros colegas da categoria e lutou por menores custos de combustível e valorização da sua hora de trabalho – o frete. Afinal a empresa que monopoliza o refino e a distribuição é estatal – Petrobras – e não há outra possibilidade de escolher concorrentes que possam ofertar combustível de forma mais barata. Ademais a carga de tributos incidentes no combustível é bastante elevada – em especial os ICMS, de responsabilidade dos estados.

A mobilização liderada por Paulo conseguiu afetar decisões do governo. Pedro apoiou e trabalhou por detrás das cenas para levar as ideias de Paulo. Os políticos ficaram temerosos de enfrentarem mais uma greve e outro desabastecimento que custe votos na próxima eleição. Interessante lembrar da citação de Freud: “Quando Pedro fala de Paulo, sabemos mais de Pedro do que de Paulo”.

Como medida de caráter emergencial e populista resolveu-se estabelecer uma tabela de preços mínimos de fretes. Com isso mobiliza-se o setor público a burocracia fiscalizadora que tem que mostrar serviço e, em última instância, tornou as mercadorias mais caras. Quem pagou é o preço foi o consumidor, como sempre.

Além disso um dos setores mais importantes da economia brasileira, o agronegócio sofreu muito com a medida. Num país cuja a escolha feita por meio do Estado há quase 70 anos atrás foi priorizar a indústria automobilística, o transporte sobre pneus e a integração nacional por meio de rodovias, impõe-se ao produtor agrário uma única forma de escoar a produção - o transporte rodoviário, justamente este cujo frete está tabelado. Dada a natureza da produção agrícola os preços dos produtos por ela produzidos são formados em mercados competitivos de caráter concorrencial. Só vale a pena produzir se os produtores rurais tiverem um custo eficiente. Para dentro das porteiras, não há dúvida de que o agronegócio brasileiro é um dos mais eficientes do mundo. Entretanto para se escoar a produção muito custo é acrescido e, ao fim e ao cabo, o retorno e capacidade de reinvestimento do produtor agrícola foram afetados.

Paulo, que liderou o protesto tinha uma causa considerada justa e muito das suas angústias eram decorrentes da forma pela qual o Estado interferiu na economia. Um produtor agrícola tinha uma outra demanda justa que é produzir e vender alimentos da forma mais competitiva possível. Os consumidores, mais do que todos, também tinham uma causa justa: eles precisam se alimentarem, vestirem-se e consumirem bens ao menor preço possível.

Afinal de contas quem ganhou com isso tudo? Não foi Paulo, não foi o produtor agrícola, não foi o consumidor, mas Pedro, que conseguiu aumentar sua margem de lucro.

Na economia o caso relatado é descrito pela “Teoria dos Batistas e Contrabandistas”. Uma causa aparentemente justa encampada por pessoas bem-intencionadas, ou seja, os “Batistas”, no fundo vai beneficiar apenas os grupos de interesse organizados que conseguem influenciar a política pública, os “Contrabandistas”. Se essa teoria não fosse elaborada nos Estados Unidos diríamos que um brasileiro observando tudo que acontece ao seu redor foi o autor dela. Uma pena ver um país tão rico, com o setor do agronegócio tão produtivo e com uma população ainda com renda média - que necessita consumir - pagar os custos das ineficiências geradas pela intervenção estatal e ficar refém de grupos de interesse muito bem organizados.

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