Liberalidade: a felicidade em ajudar

 “[...] tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada:  [...] o que contribui, com liberalidade” – Romanos 12:6,8

07.08.2019

Comunicação - Marketing Mackenzie


O apóstolo Paulo, ao escrever aos crentes da Igreja de Roma, fala não apenas de doutrinas, mas, também, da prática que deve ser uma demonstração da doutrina aprendida.  Ainda no capítulo 12 da carta aos Romanos ele fala sobre as virtudes que devem ser praticadas pelos crentes de Roma. Ele diz: “compartilhai as necessidades dos santos, respeitando o texto, podemos perceber que o apóstolo está sendo direto aos crentes de Roma, e dando orientações de comportamento, ou seja, ele está sendo específico para um determinado grupo. E mais, ele nos diz que este grupo deve ajudar de forma também específica. Assim, o apóstolo Paulo os orienta a serem liberais e a praticar as virtudes.

Mas o que seria liberalidade? Celso Antunes, em seu livro A grande jogada, diz que “ser feliz é gostar daquilo que se tem que fazer. Podemos entender que a orientação do apóstolo é que aquele que contribui deve fazer com alegria, com felicidade, pois não contribui por obrigação ou constrangimento. Aristóteles, em seu livro Ética a Nicômaco, no capítulo IV, ou caso prefira, no Livro IV (pois é assim que está dividido) fala sobre a liberalidade. Ética a Nicômaco é um livro dedicado a seu filho Nicômaco, onde Aristóteles se propõe a ensinar como o filho deve agir para ter uma vida boa, como ser feliz, pois a ética trata exatamente destas coisas.

Este livro trata de como devemos nos comportar, quais devem ser nossas atitudes no dia a dia para que tenhamos uma vida que seja bem vivida. Desta forma, ele fala sobre as virtudes. Para Aristóteles a virtude é o meio termo, é o ponto mais distante entre os extremos, o excesso e a deficiência. Assim, para definir qual seria este meio termo, ele apresenta também seus opostos.

Com exceção da justiça, tratada no livro V, pois esta não existe meio termo, ou você a pratica ou não. Exemplo: não tem como ser justo com um e injusto com outro em uma mesma situação que envolva os dois. Ou foi justo com os dois ou foi injusto com os dois. Imagine a seguinte situação: duas pessoas com muita fome, e você possui 10 quantidades de alimentos para ser distribuída, como você solucionaria esta situação, o que seria justo neste caso? Se você desse 5 unidades de comida para cada uma destas pessoas, poderia ter agido injustamente com os dois; mas, você dirá, como posso ter sido injusto com eles se dividi exatamente igual? Você poderia ter sido tão injusto a ponto de matá-los, como? Dando muito a um e pouco a outro, um morreria por excesso e o outro por falta. O mais correto seria dar a cada um conforme as suas necessidades, ou seja, talvez um precise apenas de 3 unidades de alimento para se fartar e o outro precise de 7 unidades. Então, ao dar 3 para um e 7 para o outro você agiu com justiça para com os dois, mas se distribuiu igualmente para ambos, foi injusto também para com ambos.

Mas voltemos ao capítulo IV onde trata da liberalidade. Ele nos diz: “Falemos agora da liberalidade. Aparentemente ela é o meio-termo em relação à riqueza, pois o homem liberal é louvado [...] em relação a dar e obter riquezas – sobretudo a dá-las.” Aqui ele nos mostra seus extremos: a avareza e a prodigalidade. “Por ‘riquezas’ entendemos todas as coisas cujo valor é mensurável pelo dinheiro. Por sua vez, a prodigalidade e a avareza são o excesso e a deficiência no que se refere ao uso das riquezas.”

Por avarento ele define como a pessoa que poupa em demasia, não gasta com nada. Você, com certeza, conhece o popularmente: “mão de vaca”. Este não quer gastar com nada. Aristóteles dá uma explicação no início, o avarento, preocupado com não poder suprir suas necessidades no dia de amanhã, poupa para se prevenir, então, a princípio, é até “louvável”, tal atitude parece ser prudente. A questão é que ele sempre agirá assim, sempre deixará de gastar hoje para o caso de amanhã precisar de gastar uma quantia maior. Ou seja, ele não gasta com o remédio hoje, pois pode ser que amanhã precise de gastar mais, talvez um remédio mais caro, e não ter o dinheiro suficiente. Assim, ele poupa cada vez mais, vai acumulando sempre. Resumindo, acaba por passar necessidade, inclusive os que estão ao seu redor. Para Aristóteles este não tem cura.

O outro, o pródigo, ao contrário, gasta desordenadamente, gasta com todos indiscriminadamente, e, com isso, pode ir buscar recursos em fontes não tão corretas, ele não vai se preocupar tanto com a origem dos recursos, pois o que importa é poder gastar, não só consigo mesmo, para também com os outros. Este é aquele que, querendo ser aceito e ficar bem com os “amigos”, acaba por pagar a conta sozinho, ele quer a aceitação da turma. O problema é que este dispõe de todos os seus recursos e acaba por passar necessidades veja: “Pródigo, portanto, é aquele que se arruína por sua própria culpa, e esbanjar as posses é considerada uma forma de arruinar a si mesmo, visto que é opinião geral que a vida de cada um depende de seus próprios bens”, e também, assim como o avarento, os que estão a sua volta. Mas, diferentemente do avarento, para Aristóteles, este tem cura.

Então, o meio termo entre o avarento e o pródigo é o liberal. Aristóteles define assim o liberal: é aquele que busca recursos de fontes certas, gasta com as pessoas certas, na quantidade certa, no momento certo e durante o período certo. Ele não gasta demais e nem de menos. Ele não retém todo o seu ganho para si e nem gasta tudo com os outros. Ele faz o que precisa ser feito, na medida certa, no momento certo e com as pessoas certas.

Portanto, o homem liberal, tal qual as outras pessoas virtuosas, dá tendo em vista o que é nobre, e dá como deve, pois o faz às pessoas certas, as quantias que convêm e no momento devido, com todas as demais condições que acompanham o ato de dar acertadamente. E ele agirá assim com prazer e sem sofrimento, pois aquilo que é conforme à virtude é agradável e isento de sofrimento, e está muito longe de ser penoso.

Associando Aristóteles com o apóstolo Paulo, vemos que liberalidade envolve contribuição, ajuda, socorro financeiro e material. Aqui, nos cabe uma citação de Calvino em seu comentário do livro de 2ª Coríntios 8:15, onde podemos perceber que ele trata tanto da avareza como da prodigalidade, recomendando-nos a liberalidade:

O Senhor não nos prescreveu um ômer ou qualquer outra medida para o alimento que temos cada dia, mas ele nos recomendou a frugalidade e a temperança, e proibiu que o homem exceda por causa de sua abundância. Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou por conquista de sua própria indústria e labor, devem lembrar que o excedente não deve ser usado para intemperança ou luxúria, mas para aliviar as necessidades dos irmãos.

Quando vemos o apóstolo dizer que devemos compartilhar as necessidades dos santos, podemos perceber que a contribuição não deve ser feita a qualquer um e de qualquer maneira. Suprir uma necessidade implica em uma ajuda momentânea, temporal e específica a alguém, não é a todos e indiscriminadamente. Mais ainda, é só na quantidade certa, e esta pode variar de pessoa para pessoa, e principalmente, não é eterna.

Como o liberal busca recursos de fontes certas, de maneira honesta, ele não desperdiça seus recursos, ele supre as necessidades dos seus e guarda uma reserva para os imprevistos, que pode ser até o socorro a alguém. O liberal conforme a visão de Aristóteles, é o virtuoso, age com excelência na administração de seus bens, assim, não passa necessidade e nem os que estão à sua volta.

Ser liberal é uma virtude, uma disposição de caráter, e isto é mostrado com as ações, não pelo discurso. Um exercício diário. O apóstolo, preocupado com os crentes de Roma, orienta-os a ter uma vida prática, assim, estes serão realmente os felizes, aqueles que viverão uma vida boa, conforme orienta o filósofo a seu filho Nicômaco.

Podemos concluir, o apóstolo recomenda que quem quiser contribuir deve fazer com alegria, com prazer, não por obrigação ou constrangimento, deve contribuir com liberalidade. Este age com justiça, pois faz para as pessoas certas e nas quantidades certas. E mais, este é feliz, pois ajuda não com pesar, mas com alegria, gosta do que faz. “Além disso, os homens liberais são talvez os mais louvados entre todos os caracteres virtuosos, pois são úteis, e o são por causa de suas dádivas”.

 

Por: Mauricio de Castro e Souza. Graduado em Economia, Mestre em Ciências da Religião, professor do NEC – Núcleo de Ética e Cidadania do CEFT da Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

Bibliografia

ANTUNES. Celso. A Grande Jogada. Petrópolis: Editora Vozes, 1999

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2010.

BIBLIA. Português. Bíblia e Hinário Novo Cântico. Tradução por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

CALVINO, João. Exposição de 2ª. Corintios. São Paulo: Paracletos, 1995

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