Damião Barbosa Pereira, 26 anos, é paraibano e acaba de passar no vestibular do Mackenzie, ele vai cursar Matemática. A história dele talvez seja bem parecida com muitas outras que você já escutou, aliás, ele mesmo alerta: “Minha história não é muito diferente da de outros nordestinos. Você vem para São Paulo cheio de sonhos, com a vontade de trabalhar e vencer e foi assim que eu vim. Quando cheguei me deparei com uma realidade bem desconfortável, muita dificuldade, além de pessoas que se aproveitam da nossa ingenuidade e boa vontade”, lembra.
Ele nasceu na cidade de São José de Piranhas, localizada a cerca de 500 km de João Pessoa, chegou a São Paulo pela primeira vez aos 18 anos, sozinho. Já foi cortador de cana, pedreiro e voltou pra casa algumas vezes até que em 2016 se encontrou. “Em uma das minhas vindas para São Paulo, andando pela rua vi a AEJA. Então pensei ‘será que dá?’. Eu tinha receio, com o tempo você adquire medo de encarar uma sala cheia de gente jovem, de não conseguir acompanhar, de bullying. Mas queria muito e falei ‘por que não?’”. Damião parou de estudar quando concluiu o Ensino Fundamental, mas não foi uma questão de opção. “Meus pais não tiveram condições de bancar os meus estudos, eu não tinha transporte para ir da zona rural à escola. Precisei parar de estudar e fiquei cerca de 10 anos sem entrar em sala de aula”, contou.
Após vencer o medo e se matricular Damião, que hoje trabalha como garçom, esbarrou na primeira dificuldade: não passou no processo seletivo da escola de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (AEJA). Mas ele não desistiu, no meio do ano tentou novamente e então veio a surpresa: a vaga era dele.
Uma escola para adultos
O AEJA é fruto de um projeto que se iniciou nos idos de 1947, quando os alunos da Escola de Engenharia Mackenzie, por intermédio de seu centro acadêmico CAHL – Centro Acadêmico Horácio Lane, passou a oferecer cursos de alfabetização para adultos. Anos depois, o Programa Educação de Jovens e Adultos surgiu em 1993, por iniciativa do Departamento de Recursos Humanos do Instituto Presbiteriano Mackenzie, voltado aos seus funcionários com a finalidade de incentiva-los a concluir seus estudos. Em 1999, foi estendido para a comunidade, como um Programa de Extensão Universitária, mas o AEJA como o conhecemos tomou forma em 2009, quando recebeu um prédio próprio, com corpo docente e coordenação exclusivos para melhor atender as necessidades desta parte da população. O AEJA-MACK, não é apenas um local de ensino de qualidade, mas sim um lugar onde o foco é formar cidadãos que exerçam sua capacidade de pensar criticamente.
A professora Marcia Nepomuceno, atual Diretora do AEJA, está na casa desde 2009 e conta que a experiência de trabalhar com adultos é transformadora também na vida dos professores “Quando você vai trabalhar com adultos você imagina que eles já saibam alguma coisa. E entrar numa sala de aula e ouvir que ele é cego - eles sempre usam essa expressão - é chocante no início, mas acho que é uma experiência que todo professor deveria ter, é um grande aprendizado”. Segundo ela, alguns professores que trabalham na escola e também dão aula no ensino regular afirmam que se eles pudessem escolher ficariam só no AEJA. “O retorno social, a gratidão, o envolvimento do aluno, a transformação da vida são incríveis. Os alunos novos costumam chegar cabisbaixos, com baixa autoestima, e você vai vendo a transformação até na postura da pessoa, ela passa a acreditar em si. E quando chega o vestibular é uma emoção muito grande. Satisfação profissional total, né? Agradecemos todos os dias a Deus 'ainda bem que estou aqui', porque você vê a diferença que você faz na vida das pessoas”, concluiu.
Damião é prova viva das palavras de Marcia. “O que eu percebi é que não se tratava apenas de um AEJA, de um curso que iria te entregar o diploma e depois se vira. Ao mesmo tempo em ensinam eles incentivam a continuar. Eu imaginei que não iria conseguir, mas eles me apoiaram”. Orador da turma durante a formatura, ele agradeceu esse carinho. “Eu sei a importância de cada um. Eu pude ver o empenho deles. Lá não é só a relação professor e aluno, eles são amigos. Eles conhecem nossas histórias, nossa realidade e são muito presentes. Eles se importam. Esse é o diferencial do Mackenzie”, contou.
Quando saiu o resultado do vestibular, Damião foi só alegria. “Eu consegui entrar. Primeira lista. Imagina a vida de um ser humano que estava há 10 anos parado. Se você me perguntasse há dois anos o que eu esperava para o meu futuro, o máximo que eu poderia dizer é que eu queria trabalhar em um emprego legal e viver a vida. Eu não almejava nada grande. E hoje eu posso falar que vou entrar em uma universidade, e não é qualquer universidade, é o Mackenzie”.
Outros cinco colegas de Damião foram aprovados em vestibulares diversos. Para ele, esse trabalho social do Mackenzie significa mais do que ensinar ou possibilitar concluir a educação básica. ”Eu acho que nem eles têm consciência de como transformam a vida das pessoas. Eles não podem mudar o mundo, mas com certeza a vida das pessoas que estão naquele lugar eles estão mudando”, concluiu.
Confira a relação dos aprovados no vestibular:
Aluno | Curso | Universidade |
Bruno Dias Sousa | Ciências Contábeis | Universidade Mackenzie |
Damião Barbosa Pereira | Matemática | Universidade Mackenzie |
Fernando Manuel D. Gonçalves | Veterinária Aprovado em 3 universidades. | Universidade Metodista UNISA Univ. Anhembi Morumbi |
Madalena Botelho dos Santos | Fisioterapia Aprovada em 2 Universidades | Universidade Mackenzie USCS – Univ. São Caetano |
Miriam Barbosa Pereira | Educação Física Enfermagem | UNIP FMU |
Silvana Machado Soares | Administração Aprovada em 2 Universidades | Universidade Mackenzie Faculdades Oswaldo Cruz |