Uma coisa é certa: a microeconomia explica a lógica por trás de cada um desses eventos aparentemente aleatórios e dessas decisões supostamente irracionais, tomadas pelos “quarenteners”.

23.04.2020

Priscila Rosa


Os economistas, ao contrário dos advogados, para quem tudo (ou quase tudo) depende, têm sempre uma explicação, uma hipótese, baseada em princípios e teorias, sendo “tudo o mais constante” em muitos casos. Mas, em tempos de COVID-19, nada é coeteris paribus. A incerteza da crise levou a população a comportamentos e hábitos, digamos, até inusitados.

Por que será, imediatamente após o decreto da quarentena, as pessoas resolveram estocar rolos e mais rolos de papel higiênico em suas casas? Por falar em rolo, por que razão, de repente, os corredores amadores viraram adeptos do ciclismo indoor e os rolos de treino simplesmente desapareceram das bicicletarias? (Há quem diga nem mesmo os sites internacionais têm mais rolo! A galera queria importar...) Em matéria de esporte ainda, o que motivou o público dito fit a “limpar” os estoques de halteres, kettlebells, anilhas, therabands, entre outros tantos artigos esportivos das lojas físicas e, ressalte-se, de e-commerce especializadas? Ah, claro! E o que explica a entrega em domicílio desses itens ter um frete de 70, 20 ou 7 reais, por exemplo? Ou a oscilação dos preços dos livros na Amazon e a viralização de aplicativos de chat de vídeos?

Uma coisa é certa: a microeconomia explica a lógica por trás de cada um desses eventos aparentemente aleatórios e dessas decisões supostamente irracionais, tomadas pelos “quarenteners”.

A microeconomia estuda o comportamento humano, pela a ótica da escassez. Os recursos são sempre escassos, finitos, limitados; já as necessidades, expectativas, prioridades e os desejos humanos são infinitos. Eis a lei da escassez, que tem muito mais a ver com a procura (demanda) de determinado bem do que propriamente com a sua disponibilidade física (oferta).

A pergunta que não quer calar (nem a música popular que vem imediatamente à memória) é: “acabou o papel, limpa com jornal”? Não, claro que não! Até porque, para a microeconomia, só é escasso o que tem utilidade.

Segundo a microeconomia também, essas mesmas decisões são tomadas com base na variação marginal. (Aos eventuais desavisados free riders, o conceito passa ao largo da criminalidade, ok?) É a tal da utilidade marginal. Isto é, as pessoas fazem escolhas quanto à utilização dos bens escassos, de acordo com o acréscimo marginal (adicional) proporcionado por eles, em termos de utilidade... Chique, né? Talvez um pouco complexo também. Mas como a moda, a lei da escassez também é cíclica.

Por isso então, num verdadeiro trade-off, os corredores não hesitaram: “Não pode correr? Vamos pedalar (mea culpa)!” E foi assim que acabamos com os rolos para bike dos triatletas, nas principais bicicletarias da cidade. (Risos.) E mais uma vez, a microeconomia explica: o que é supérfluo vira essencial e o princípio da racionalidade hedonista, ligada a esse utilitarismo, nunca foi tão aderente à realidade dos “quarenteners”...

Particularmente, uma outra “teoria” emprestada pela microeconomia me fascina: a teoria dos jogos, que estuda o comportamento econômico em circunstâncias estratégicas e/ou de incerteza. O professor Fábio Nusdeo (2008, p. 73), advogado e economista pela USP, diz que se trata de um “poderoso elemento explicativo e preditivo do comportamento humano”. No famoso dilema do prisioneiro, cada agente toma uma decisão e “aposta” no que farão os demais. O ideal é que, ao final, o resultado das escolhas de cada “jogador” seja uma situação de “ganha-ganha” e, assim, seja atingido o tal do equilíbrio de Nash (a estratégia escolhida por cada um em equilíbrio não cooperativo é a melhor possível e estável, uma vez que os outros “jogadores” também fazem o melhor possível e, portanto).

Pois bem. Como “quarentener”, também comprei uns itens de ginástica para poder me exercitar, em casa. O orçamento do frete, pela loja, era 70 reais e lógico, não contratei o serviço. (A loja fica a menos de dois quilômetros da minha casa. Você também, tão prisioneiro quanto eu, não teria feito! Ou teria? Enfim....) No dia em que a encomenda estava disponível para retirada na loja, cotei o serviço do Rappi: aproximadamente 20 reais. Vi vantagem, mas por curiosidade, resolvi consultar o Uber: tarifa mínima! 7 reais. Deal!

E o que isso tem a ver com a teoria dos jogos? Tudo! O comportamento estratégico é a base dessa teoria. Com a população isolada, o frete tradicional e mais ainda, as entregas expressas foram altamente demandados (delivery de restaurantes, farmácia, supermercados, etc.), ao passo em que o transporte privado urbano foi quase “nocauteado”, pelo COVID-19 – assim como muitos outros setores da economia o foram e o serão em breve. E isso orientou minha decisão pelo recurso menos escasso, e naturalmente mais barato. Vamos então cooperar com os motoristas do Uber, pensando no equilíbrio de Nash? Claro que sim!

As escolhas humanas não são pautadas apenas pela escassez e pela utilidade marginal. As pessoas reagem a incentivos (adoro!) positivos e negativos, de ordem econômica, social e moral. Segundo LEVITT e DUBNER (2007, p. 18), “a economia é, em essência, o estudo dos incentivos: como as pessoas conseguem o que querem, ou aquilo de que precisam, principalmente quando outras pessoas querem a mesma coisa ou dela precisam”. Isso explica os livros na Amazon e o boom dos apps de videoconferência (Zoom, Hangouts, Teams, Houseparty)? Sim, também.

Não só a microeconomia explica tudo (ou quase tudo), mas a “quarentenomics” explica – e justifica – mais ainda.

Por: Priscila Rosa

Advogada, pós-graduanda no MBA Gestão de Negócios, Comércio e Operações Internacionais pela FIA-USP e Mestranda em Economia e Mercados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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