Como se pode notar, a questão do controle dos preços extrapola o campo da economia e implica, necessariamente, numa reforma no sistema jurídico, a fim de inviabilizar ingerências do estado no mercado, por meio da aplicação dos princípios que fundamentam o Estado de Direito e da limitação do poder coercitivo.

15.04.2019

Comunicação - Marketing Mackenzie


Na última semana, assistimos atônitos ao Presidente Jair Bolsonaro recuar em sua postura dita liberal na economia, ao cancelar o reajuste no preço do óleo diesel previamente anunciado pela Petrobras. O diesel deveria ser reajustado em 5,7% e passaria a custar R$ 2,26 na refinaria.

É importante que se diga que o diesel, como subproduto do petróleo, é uma commodity comercializada nos mercados internacionais e, como tal, seus preços oscilam de acordo com duas variáveis principais: 1) o preço internacional do produto e a 2) taxa de câmbio entre o real e o dólar. Basicamente, a Petrobrás adquire o petróleo leve em dólares e vende em reais. Logo, a variação doméstica do preço do diesel não se relaciona à inflação no país, pois pode ficar acima ou abaixo dos índices nacionais de preços.

Em sua decisão, o Presidente aparentemente tentou levar em conta os custos da extração do petróleo no Brasil e pediu explicações para um a reajuste acima da inflação, ignorando sumariamente que a precificação do petróleo não se dá em função dos custos da extração, mas de novo, em função do preço internacional e do valor do câmbio – isto é, pelos movimentos de demanda e de oferta.

Com o cancelamento do reajuste e a tendência de aumento dos preços do petróleo em decorrência da redução da produção de petróleo anunciada pela OPEP em março, que visa a impulsionar os preços do petróleo do cartel internacional,  caso os preços continuem a subir o governo será obrigado a cobrir a diferença para assegurar os preços. Quem vai pagar por isso? O Tesouro Nacional – em última instância, os contribuintes.

Apesar de parecer uma medida de consequências meramente econômicas, o controle de preços na verdade traz em sua gênese uma ameaça ao Estado de Direito, já que este é calcado na estabilidade institucional, somente obtida pela existência de normas gerais, duradouras e amplamente conhecidas por todos. Aliadas ao livre mercado, elas criam o cenário ideal para o surgimento da prosperidade, conforme afirma F. Hayek em sua obra publicada em 1960 The Constitution of Liberty (Os fundamentos da Liberdade em português). Não pode haver Estado de Direito se os agentes governamentais por meio de um telefonema conseguem interferir no mercado e ameaçar a estabilidade institucional.

Além da ameaça ao Estado de Direito, existem inúmeras razões lógicas que demonstram que o controle de preços é irreconciliável com o livre mercado. Primeiro porque é impossível fixar preços de acordo com normas duradouras (que respeitem o Estado de Direito) e que ao mesmo tempo orientem eficientemente a produção.  Não é possível para o planejador central (governo) saber e prever todas as circunstâncias que afetem a produção e consequentemente o preço. 

Da mesma forma, os marcos regulatórios que possuam a intenção de vincular o preço final ao custo de produção também se mostram ineficazes, pois os custos não são uniformes entre os produtores: preço da mão de obra, localização geográfica e tecnologia empregada são apenas algumas variáveis que podem influenciar no preço final. Ademais, o preço como já dito é determinado também pelo lado da demanda.

Já que os custos finais são diferentes para cada produtor, seria necessário encontrar um meio de controlar a oferta e a demanda, decidindo quem e o quanto se pode comprar ou vender. Daí tal controle seria absolutamente discricionário, facilitando a formação de relações de compadrio entre agentes governamentais e agentes privados privilegiados.

Como afirma Hayek:

“ Não é, portanto, porque os interesses econômicos com os quais tais medidas interferem são mais importantes que os outros controles de preços e quantidades deve ser excluído num sistema de livre mercado, mas porque esse tipo de controle não pode ser exercido com normas, sendo por sua natureza discricionário e arbitrário. Conceder tais poderes à autoridade, significa, na verdade, dar-lhe o poder de determinar o que deve ser produzido, por quem e para quem. ”

Como se pode notar, a questão do controle dos preços extrapola o campo da economia e implica, necessariamente, numa reforma no sistema jurídico, a fim de inviabilizar ingerências do estado no mercado, por meio da aplicação dos princípios que fundamentam o Estado de Direito e da limitação do poder coercitivo.

É preciso que as normas gerais permitam que o sistema funcione livremente e que o Estado apenas utilize seu poder coercitivo na defesa da propriedade, na prevenção da fraude, na observância dos contratos e no reconhecimento da igualdade dos indivíduos de produzir o que quiserem, na quantidade que desejarem, para venderem ao preço que mais lhes convier.

Não negamos que a eficiência do sistema ainda repouse também no conteúdo específico da norma, mas sem a observância dos princípios e defesa dos institutos descritos acima, o governo terá de tentar realizar por meio de decisões diretas (como fez o Presidente Bolsonaro) aquilo que o mercado por meio do sistema de preços faria melhor. E isso, já se sabe ser desastrosamente ineficiente, como bem documenta a história econômica brasileira contemporânea e também as experiências de controle de preço de combustíveis nos EUA na época do primeiro e do segundo choques do petróleo.

 

Allan Augusto Gallo Antonio é advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Blackstone Fellow, mestrando em economia e mercados e analista do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.

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