08.04.2020

Vicente Bagnoli


A saúde em primeiro lugar, sempre! A pandemia do Covid-19, entretanto, parece que trouxe aos governantes um dilema insuperável: optar pela saúde da população, com a consequente morte dos mercados, ou salvar os mercados e, logo, condenar a população à danação. Ora, a economia é o meio para se promover o bem-estar social, portanto a finalidade dos mercados funcionando bem é a dignidade humana. Mas de nada adianta uma ordem econômica pujante se todos estiverem mortos. É possível lidar com esse trade off?

Entender as implicações do coronavírus à saúde é compreender seus efeitos na economia. Logo, saúde e mercado se relacionam e o Direito pode contribuir no enfrentamento do desafio que atormenta governantes e a esse sério problema que atinge a população, tanto na questão da saúde quanto pelo viés econômico, ambos alarmantes.

Um paciente do SUS internado em UTI clínica médica tem um custo aproximado de R$ 700,00 por dia (auditasus.com.br, 12-2019, HCSP). Evidentemente esse valor se multiplica em hospitais que prestam o serviço conveniado/privado, mas fiquemos apenas com o SUS, afinal onde a grande maioria dos brasileiros são tratados, visto que 70% não têm plano de saúde privado (Época, 22-02-2018). Nas UTIs um paciente contagiado pelo coronavírus fica internado de 2 a 3 semanas (G1, 17-03-2020). Logo, um paciente acometido pelo Covid-19 custa aos cofres públicos, considerando 3 semanas de internação, R$ 14.700,00. Mas, se apesar do tratamento, esse paciente vier a óbito, o custo é ainda maior. A partir de um estudo do economista Luigi Zingales (BBC, 29-03-2020) para a realidade norte-americana, ao qual tomamos a liberdade de adaptar ao Brasil com todas as ressalvas possíveis, o valor da estimativa da vida do brasileiro é de R$ 1.800.000,00.

Recente estudo publicado pelo Imperial College de Londres (Estado de S. Paulo, 28 e 29-03-2020) estima que se o Brasil não tomar nenhuma providência para frear o coronavírus teremos 1.443.116 hospitalizados críticos e 1.088.612 mortos. Caso se adote uma mitigação com distanciamento social leve o número de hospitalizados críticos é de 764.105 e de mortos 576.128. Com a mitigação com foco no distanciamento da população e dos idosos o número de hospitalizados críticos é de 625.338 e de mortos 471.742. Por fim, num cenário de supressão com o distanciamento social intensivo o total de hospitalizados críticos é de 57.423 enquanto de mortos 44.212.

Em valor econômico - com as aproximações devidas, no pior extremo, onde nenhuma providência para conter o coronavírus é tomada, apenas com internações em UTIs no SUS o custo é de R$ 21.213.805.200,00 e em mortes R$ 1.959.501.600.000,00. Já no outro extremo, de supressão com o distanciamento social intensivo, as internações representariam R$ 844.118.100,00 e os óbitos R$ 79.581.600.000,00.

Considerando que o PIB brasileiro em 2019 totalizou R$ 7,3 trilhões com um crescimento de 1,1% (IBGE) e que as estimativas para 2020 em razão, mas não só, do coronavírus é de 0,02%, fácil notar o impacto do Covid-19 na economia brasileira.

Os governantes, sem dúvida, terão que avaliar custos e benefícios em qual medida adotar: distanciamento social, isolamentos leves, quarentenas, isolamentos horizontais ou verticais e até o lockdown.

Pois bem. A análise econômica considera o Direito um conjunto de incentivos que leva os indivíduos a adotarem um comportamento positivo ou negativo, a partir dos preceitos jurídicos introduzidos por um sistema de preços implícitos pelo comportamento de cada pessoa. A análise econômica do Direito intensificou a aproximação econômica ao método de reconstrução e interpretação do ordenamento jurídico por meio de conceitos e instrumentos próprios da microeconomia e da teoria dos jogos.

A “Análise Econômica do Direito”, para uns também “Economia Aplicada ao Direito”, ou ainda Law and Economics, implica na análise de atos e fatos de acordo com as regras da Ciência Econômica, o que resultará naquilo “economicamente certo”. Essa informação, entretanto, é passada ao jurista, que deve necessariamente fazer ponderações sócio-jurídico-econômicas, a fim de se concluir o “justo”. A decisão do jurista, portanto, não pode se deter ao “certo econômico” obtido a partir de expressões meramente matemáticas, ela visa o “certo-justo” das teorias econômicas aplicadas à realidade social jungida às normas jurídicas, baseando-se, dessa forma, no “princípio da economicidade”.

Em tempos de Covid-19, quanto mais restritiva a medida tomada para conter o vírus, maior deve ser a atuação do Direito. Conscientização para fazer o certo para si e para a sociedade, a partir de políticas públicas e informação à população é essencial, mas não basta. O cidadão deve ter ciência que ao descumprir o que for determinado pela Lei arcará com severas penalidades. Tais punições podem ser desde a suspensão e restituição de valores assistenciais recebidos pelo infrator, severas multas pecuniárias, tendo em vista o altíssimo custo ao erário causado pelo coronavírus, até a reclusão em casos extremos. Enfim, isolamento ou multa, é o Direito se ocupando da economia para assegurar a saúde em primeiro lugar, sempre!

O Estado de São Paulo, disponível aqui.

 

Vicente Bagnoli é Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie, Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck de Concorrência e Inovação. É membro honorário do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.

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