A MP da Liberdade Econômica precisa sobreviver aos burocratas

03.05.201910h01 Allan Augusto Gallo Antonio

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A MP da Liberdade Econômica precisa sobreviver aos burocratas

É próprio das democracias ocidentais modernas que toda atividade legislativa no plano federal seja prerrogativa do Congresso. Isso significa dizer que toda lei deve obrigatoriamente ser proposta, discutida e aprovada no âmbito pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Em países de regime presidencialistas como no caso do Brasil e dos Estados Unidos, existe uma grande ênfase no cargo de presidente da República. Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, dentre as atribuições do presidente (detalhadas no artigo 84 da Constituição Federal) não está a criação de leis. O presidente da República é antes de tudo um administrador e não um legislador.

No entanto, existe no Brasil um dispositivo Constitucional (artigo 62) que permite ao presidente da República, excepcionalmente, editar uma medida que tenha força imediata de lei, desde que seja posteriormente enviada ao Congresso para votação. É a medida provisória.

Funciona mais ou menos assim: o presidente, ao identificar uma situação de urgência e relevância que não poderá ser resolvida naturalmente pelo Legislativo (o processo de proposição e votação costuma demorar meses e até anos) sob pena de causar graves prejuízos ao país, redige e publica um documento que terá os mesmo efeitos e força de uma lei criada no Congresso e valerá automaticamente por 60 dias prorrogáveis por mais 60. O documento é enviado ao Congresso Nacional após a publicação, e os parlamentares terão 45 dias para apreciar  o ato presencial, convertendo a medida provisória em lei ou rejeitando a iniciativa. Caso a medida provisória não seja apreciada em até 45 dias após a sua publicação, entrará em regime de urgência.

A breve explicação acima está cheia de generalizações e simplificações, mas é suficiente para entender no que consiste a tão discutida Medida Provisória da Liberdade Econômica proposta pelo presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira. 

O texto integral da MP pode ser encontrado aqui, mas é compreensível que a linguagem e até mesmo o formato do texto assustem a maioria das pessoas. Por isso, antes mesmo de entender o seu conteúdo, é importante que se compreendam duas coisas a respeito da medida:

1) sua intenção é desburocratizar e simplificar diversos setores da economia;

2) ela afeta todos aqueles que alguma forma lucram ou vivem dos frutos da burocracia. Dentre os mais afetados pela medida, estão os cartórios, sindicatos, órgãos emissores de alvarás e também o Judiciário.

Quem nunca enfrentou filas quilométricas, mal atendimento, descaso, valores exorbitantes e até mesmo extorsão para obter um alvará, licença ou um simples registro?  A vida do brasileiro comum é cheia de autenticações, autorizações, funcionários públicos mal-humorados e incontáveis cópias certificadas de documentos.

No texto da MP é possível identificar 17 medidas de liberdade, entre as quais a liberdade da burocracia, a liberdade de trabalhar e produzir, a liberdade de não ficar sem resposta, a liberdade de definir preços e a liberdade de empreender.

A liberdade de burocracia visa a retirar qualquer tipo de licença, alvará de funcionamento, sanitário e ambientais, para atividades de baixo risco, independentemente do tamanho da empresa. Pode parecer pouco, mas existem regulamentações até para tamanho de banheiros em pequenos restaurantes, fato que inviabiliza uma série de pequenos estabelecimentos que, se não fosse pela regulamentação estatal poderiam estar movimentando a economia e gerando riquezas.

A liberdade de trabalhar e produzir busca garantir que se possa trabalhar e produzir sem que sindicatos ou qualquer outra organização impeçam o funcionamento do comércio, serviço e indústria. Têm sido comum, por todo o país, casos em que negociações sindicais são necessárias para permitir que comerciantes mantenham seus negócios abertos. Quantos serviços não têm sido oferecidos ao público pela limitação de órgãos que nada produzem, mas que sempre são prontos a exigir?

A liberdade de não ficar sem resposta tem o objetivo de assegurar que todo pedido de licença ou alvará terá um tempo máximo, que, quando transcorrido, significará aprovação pelo silêncio. Quantas é necessário recorrer à justiça para obtenção de uma resposta de um órgão público a respeito de um alvará ou autorização? Se somados em todos o país qual seria o prejuízo do não funcionamento de diversos negócios, obstados apenas pela má vontade ou ineficiência dos órgãos de controle?

A liberdade de definir preços impede que as leis sejam manipuladas de forma a diminuir a competição e o surgimento de novos modelos de negócios. Quando o Estado decide, por meio de lei ou atos administrativos, controlar o preço dos produtos e serviços cria-se naturalmente uma reserva de mercado que dificulta a entrada de novos concorrentes no mercado, restringe a criação de novos modelos de negócios e priva do acesso aos produtos e serviços quem mais precisa deles.

A liberdade de empreender visa a assegurar que as decisões judiciais não poderão desconsiderar a personalidade jurídica sem demonstrar que o empresário agiu de má fé. Mais do que isso, essa liberdade visa garantir aos cidadãos que não tem condições de recorrer aos tribunais superiores, que seja aplicada a eles a mesma regra, sem que para tanto precisem levar seus casos até Brasília.

Existem outros pontos abordados na MP. Mas, olhando apenas para os que foram apresentados acima, é possível compreender que a medida presidencial procurou, além de garantir mais liberdade de crescimento para a economia, afastar a democracia da ameaça do emaranhado burocrático criado pelos tecnoburocratas, que pretende antes de tudo controlar cada vez mais a sociedade como um todo, privilegiando os compadres em detrimento do crescimento econômico.

Nas palavras de Friedrich Hayek: “ A liberdade é severamente ameaçada quando são dados ao governo poderes exclusivos para a prestação de certos serviços – poderes que ele necessariamente empregará na coerção discriminatória de indivíduos, a fim de alcançar seus objetivos”.

O leitor acompanhará, nos próximos dias, uma grande tentativa de desacreditar a medida provisória proposta pelo presidente da República.  Grupos de pressão não hesitarão em utilizar a oposição e até mesmo a base aliada do governo para garantir suas reservas de mercado e seus muitos proventos advindos das licenças, filiações, alvarás, autenticações e planejamentos centrais. É provável que a medida seja desidratada para que não acabe convertida em lei.  Tecnoburocratas surgirão e darão seus motivos, sempre calcados na lógica de que “a opinião de alguém que não esteja disposto a aceitar os princípios das instituições existentes não será levada a sério e muito menos terá qualquer peso nos debates para a fixação da política corrente”, para usarmos as mesmas palavras de Hayek.

Será preciso amplo apoio da sociedade civil, para que a medida prevaleça e os setores da tecnoburocracia não prevaleçam, adiando ainda mais o florescimento de uma sociedade verdadeiramente livre.

Allan Augusto Gallo Antonio é advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Blackstone Fellow, analista do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e mestrando em economia e mercados.