Processo decisório em momentos de crise

10.06.202018h30 Comunicação - Marketing Mackenzie

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Processo decisório em momentos de crise

Célia Castro

 

Dando continuidade à nossa reflexão sobre a importância do processo decisório organizacional no enfrentamento de crises, lembramos que, no artigo anterior, falamos dos tipos de decisões tomadas em organizações e, no caso de decisões estratégicas, que tratam do futuro em um horizonte de longo prazo, abordamos a contribuição dos cenários prospectivos como forma de preparar as empresas para um mundo cada vez mais volátil e cheio de incertezas.

 

Mas o que tudo isso tem a ver com o processo decisório, tão presente e, paradoxalmente, tão “esquecido” nas organizações? A decisão é que permite materializar, transformar em ações as estratégias prescritas para a construção do futuro da organização. Ora, se esse futuro, inicialmente previsto ou projetado, é profundamente alterado por eventos de um mundo volátil e de múltiplas incertezas, o que deve acontecer com as estratégias inicialmente traçadas e com as consequentes decisões para transformá-las em ações? 

 

De um lado, temos a necessidade de as organizações, como sistemas abertos e, portanto, em constante troca com o ambiente externo, adotarem uma postura flexível em resposta às mudanças desse ambiente, identificando ameaças a que devem fazer frente e oportunidades de negócios e inovações que gerem benefícios para empresas e sociedade. De outro, essas mesmas organizações devem garantir a perenidade da sua atuação, não apenas por questões de governança, mas de consistência interna e externa com a intenção estratégica declarada, sobretudo, na sua missão e nos seus valores. Como conciliar a flexibilidade requerida pelo ambiente externo com a necessidade de consistência e perenidade dos negócios, sobretudo quando ocorrem eventos não “previstos” e que geram impactos significativos no planejamento estratégico das organizações?

 

É justamente diante desses acontecimentos inusitados, melhor dizendo, de crise, que se revela a importância de processos decisórios sistematizados de acordo com a dinâmica da empresa e os riscos inerentes à sua atuação. Por sistematizados, entendam-se processos que permitam às empresas identificar e contextualizar, com clareza, os problemas que surgem, a fim de melhor identificar e avaliar as alternativas disponíveis. Isso, lembrando-se sempre do que Herbert Simon chamou de “racionalidade limitada” no processo de decisão, referindo-se à limitação humana de lidar com todas as possíveis variáveis de um mundo complexo, reduzindo-as àquelas que possam ser controladas.

 

E o que não pode ser controlado, como uma pandemia que, praticamente de uma hora para outra, chegou a diferentes países e afetou a vida de milhões de pessoas em todo o mundo? O que os processos decisórios podem fazer? Primeiramente, reconhecer a limitação da racionalidade humana nas decisões, sujeita não apenas a eventos imprevistos, como a paradigmas e vieses que, atuando como “atalhos mentais” para agilizar a tomada de decisão, podem levar a escolhas inadequadas. Reconhecer essa limitação e os vieses a que todos nós, seres humanos, estamos sujeitos ajuda a ver a situação com mais clareza e a buscar a ajuda de especialistas de diferentes setores da sociedade, de forma a buscar uma solução que permita considerar todos os impactos de uma decisão.

 

Em segundo lugar, é importante reconhecer que, para problemas complexos e não estruturados, como uma crise não esperada, nem sempre é possível contar, apenas, com processos quantitativos de apoio à tomada de decisão. É necessário considerar aspectos subjetivos e, por que não dizer, até intuitivos na tomada de decisão. O que chamamos de intuição não tem nada de “esotérico” ou “sobrenatural”. Trata-se do resultado da experiência de diferentes atores, em diferentes processos e áreas do conhecimento, que pode ajudar a criar alternativas para o tratamento de um problema complexo e novo para as organizações e para o mundo.

 

Em terceiro lugar, sobretudo para organizações que investiram em tecnologias da informação e comunicação e se prepararam, ainda que indiretamente, para os efeitos desta crise, o uso dessas tecnologias para a realização de trabalho remoto e reuniões a distância pode ajudar. Empresas que contam com comitês deliberativos específicos podem e devem preparar os seus representantes para a realização de encontros virtuais, com adaptações em processos e documentos de apoio e de formalização de decisões, de forma a dar mais agilidade às decisões colegiadas, sem implicar a assunção de maiores riscos nesse processo. Obviamente, além do investimento e tecnologia e capacitação dos decisores, organizações cujos produtos sejam intangíveis (serviços) têm, em tese, mais facilidade para adotar processos e canais digitais do que aquelas cujos processos e negócios dependem fortemente da presença física de pessoas – clientes internos e externos.

 

Finalmente, como forma de garantir a coerência entre decisões e ações e sua adequação às pressões e demandas do ambiente externo, as organizações contam com importantes norteadores do processo decisório: suas declarações de valores, seus códigos de ética e conduta e suas políticas gerais e específicas. Como intenções estratégicas mais perenes, os valores de uma organização, independentemente de há quanto tempo existe a empresa, representam o conjunto de direcionadores à luz do que é realmente importante para a empresa e para o entorno social, econômico e ambiental em que ela atua. Códigos de ética e de conduta, para além do que possa parecer o comportamento esperado das pessoas em diferentes áreas e níveis da organização, permitem a disseminação, de forma clara e efetiva, da conduta esperada em decisões e ações. As políticas, por sua vez, materializam esse conjunto de valores de forma mais próxima à atuação institucional e negocial da empresa, norteando as suas escolhas e, principalmente, os resultados e os impactos esperados nessas escolhas. E ajudam os tomadores de decisão (que são sempre tomadas por seres humanos, sujeitos a falhas de interpretação e a vieses) a posicionar a empresa diante da crise como uma organização que ajuda a superá-la, e não como uma empresa oportunista e míope às necessidades e aos desafios que momentos como este apresentam para todos nós.

 

*Mestre em Administração e Professora da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília  

 

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Rafael Querrer

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